Coisas e Coisas
Travessura de velho
As ilusões do jovem jornalista são prejudiciais à saúde. No verso da ficha de inscrição das faculdades de jornalismo, o Ministério da Saúde deveria fazer tal advertência. Crenças num poder ilimitado de mudar o mundo ou numa vida cheia de glamour e dinheiro são perigosíssimas. Um dia a realidade vence a utopia, as ilusões viram desilusões e, para superar, só com o tempo ou terapia. No meu caso, virei blogueiro para me libertar de minhas desilusões (meu antigo drama está no post de estréia para quem quiser reler).
Há alguns deslumbramentos de jovem jornalista, que poderiam ser vistos de forma negativa também, mas são mais inofensivos e até gostosos de sentir. São mais modestos em suas pretensões. Há sensações na carreira de um jornalista bem típicas da juventude e precisam ser saboreadas na hora certa. Uma delas são as primeiras matérias assinadas num jornal.
Para um iniciante, é um prazer quase sexual, melhor, é um prazer bem maior do que o sexual. A minha primeira vez, jornalisticamente falando, foi na publicação da faculdade que funcionava como laboratório para os alunos. Matéria boba, assunto sem importância, mas eu não via a hora de ter a impressão final nas mãos. A razão: ver meu nome estampado na matéria me faria (e me fez) sentir, enfim, jornalista de verdade.
As primeiras matérias assinadas são saboreadas à exaustão. Não tem jeito: somos, desde cedo, impregnados de narcisismo e adoramos lamber a nossa cria. Somos como o pai orgulhoso que desfila com um bebê lindo no parque com cara de “fui eu que fiz”.
Minha primeira matéria assinada já levava o nome de Duda Rangel. O nome completo, de batismo, Carlos Eduardo Rangel, não caía bem. E isso nunca teve nada a ver com numerologia, juro por tudo de sagrado e profano deste mundo. Sempre acreditei que nome composto cansaria o leitor, não teria impacto, além do fato de nome composto lembrar bronca de mãe quando se é criança e apronta alguma travessura.
Às vezes, parecia até que eu corria até a pasta com as minhas matérias só para me certificar de que a assinatura ainda estava lá, que não tinha fugido. “A sua assinatura empreendeu fuga nesta manhã, mas dois investigadores já estão nas ruas para tentar encontrá-la e devolvê-la à sua matéria”, me diria um delegado qualquer se eu cobrasse providências. Mas assinaturas não empreendem fugas. Ficam lá, imóveis. Meu zelo era paranóico.
Nos últimos dias, eu me lembrei dessa história das assinaturas, fiquei resgatando as gostosas sensações passadas. Senti muita falta da juventude, dos tempos que não voltam mais. Como é estranho ter saudade de si mesmo, escreveu o dinamarquês Jacobsen. Certa nostalgia é indício de que não estamos sabendo envelhecer. “Carlos Eduardo, pare com essa coisa de nostalgia boba, meu filho. Viva seu presente!”, me diria a minha mãe, diante dessa minha última travessura.
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