Coisas e Coisas
Sobre a indústria discográfica
A tese de mestrado de Leonor Losa (
"Nós humanizámos a indústria". Reconfiguração da produção fonográfica e musical em Portugal na década de 60) foi defendida em 2009 na Universidade Nova de Lisboa. Trabalho de grande qualidade, fiquei a conhecer bastante melhor a atividade fonográfica do país naquele período quando o li agora.
Logo à entrada, a autora diz que a sua tese tinha por objetivo a reconfiguração da produção discográfica, em especial a do editor Arnaldo Trindade, a quem dedica os dois últimos capítulos. O texto tem introdução, cinco capítulos e conclusões. Os nomes dos capítulos são: 2) "Musicas" e "machinas falantes": mercado de partituras e fonogramas em Portugal desde meados do século XIX até à década de 30, 3) A emergência da rádio: sobreposição de reportórios dos anos 30 ao início dos anos 60 do seculo XX (criação da Emissora Nacional, surgimento de "fábricas de discos" e novos reportórios, centralidade da rádio), 4) Panorama editorial em Portugal nos anos 60 (protagonismo da Valentim de Carvalho, Fábrica de Discos Rádio Triunfo: nacionalização da produção fonográfica, Sassetti: edição de novos reportórios, atividade editorial no país nos anos 60), 5) Arnaldo Trindade: percurso biográfico e constituição da editora, 6) "Nós humanizámos a indústria". Reconfiguração da produção fonográfica em Portugal na década de 60 (postura editorial de Arnaldo Trindade e relação com os músicos, produção de "música de tema": tentativas de designação genérica dos produtos musicais).
No quarto capítulo, a autora aborda a autonomização da produção fonográfica em Portugal e o protagonismo dos espetáculos (p. 57), bem como o papel da imprensa especializada, de que releva o
Mundo da Canção. A criação de uma fábrica de discos da Valentim de Carvalho ocorreu no começo da década de 1960, já depois do falecimento do fundador da empresa. Um dos sobrinhos, Rui Valentim de Carvalho, contra a vontade da empresa, abriu a fábrica do Campo Pequeno, onde se realizaria a prensagem de EP de gravações originais e cópias de gravações de editoras e etiquetas estrangeiras (p. 64). Na mesma década, seria construído o estúdio de Paço d'Arcos. A centralidade de reportório no fado (caso da fadista Amália Rodrigues) e a qualidade de gravações feitas pelo técnico de som Hugo Ribeiro garantiram a supremacia da editora. A Valentim de Carvalho apostou também em estilos de música importada caso das tipologias
rock'n'roll e
ié-ié (
pop de origem francesa). Já a Fábrica de Discos Rádio Triunfo, fundada em 1946 no Porto, começara como loja de rádios e aparelhos de transmissão (p. 65), dando início em 1948 à produção de fonogramas. A Rádio Triunfo seria também editora, tendo um catálogo forte em música de ranchos folclóricos e intérpretes que desenvolviam as suas carreiras na rádio (Tony de Matos, Maria de Lurdes Resende, Maria Clara, Gabriel Cardoso), com uma relação de proximidade com a Emissora Nacional, cujo estúdio em Vila Nova de Gaia era usado habitualmente para gravações de discos.
A Sasseti, fundada em 1848, seria comprada por António Marques de Almeida e dois outros sócios que tinham fundado a cooperativa Guilda da Música em 1967 (p. 70). Pouco tempo depois associada à organização Zip-Zip, a Sassetti teve uma forte incidência nas gravações de música erudita (Antologia da Música Europeia) e de música popular portuguesa (Sérgio Godinho, José Mário Branco, Luís Cília e José Afonso). Finalmente, a Arnaldo Trindade, cujo proprietário estivera com frequência nos Estados Unidos, distribuiu discos de cantores em voga franceses (Johnny Halliday, Françoise Hardi, Serge Gainsbourg) e ingleses (Sandie Shaw), mas também as etiquetas Island (soul music, rythm'n'blues) e Tamla Motown (reggae) (p. 76). Numa das visitas aos Estados Unidos, Arnaldo Trindade comprara uma máquina de gravação Ampex, de quatro pistas, começando a gravar em 1952. Iniciou a etiqueta Orfeu em 1956 e publicou discos do Conjunto Pedro Osório, Titãs, Conjunto Sousa Pinto, Pop Five Music Incorporated, mas também do Conjunto Maria Albertina, Conjunto António Mafra, Quim Barreiros, num apoio nítido à produção discográfica do norte do país (p. 81). Arnaldo Trindade notabilizou-se ainda pelas estratégias de promoção: oferta de fonogramas às estações de rádio, organização de concertos (exemplos: Elton John, Marino Marini, Sandie Shaw, Sylvie Vartan), publicidade televisiva e sistema contratual com os intérpretes, com pagamento de remuneração mensal tendo como contrapartida a gravação de um fonograma por ano (casos de Adriano Correia de Oliveira e José Afonso).
Textos publicados por Leonor Losa podem ler-se na
Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, com direção de Salwa Castelo-Branco, conjunto de quatro volumes editados em 2010 pelo Círculo de Leitores.
Abaixo, texto de Orlando Dias Agudo publicado na revista
Antena, nº 80, de 1 de julho de 1968. O jornalista agradecia a gentileza de visitar as instalações da Valentim de Carvalho e da Fábrica Portuguesa de Discos da Rádio Triunfo. Na primeira fotografia, vê-se o técnico Hugo Ribeiro, apresentado na dissertação de mestrado de Leonor Losa.
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