Coisas e Coisas
PRODUÇÃO MUSICAL E INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM PORTUGAL
No passado dia 5, integrado no Seminário de cultura de massas em Portugal no século XX, em funcionamento na Universidade Nova de Lisboa, António Tilly dos Santos falou de A produção musical e a indústria fonográfica em Portugal (1960-1980).
António Tilly dos Santos falou da relação entre música e indústrias do espectáculo. Nestas envolveu a música tradicional, o folclore, o fado e o pop-rock, ao lado do cinema, teatro musical, rádio, televisão e fonogramas. Assim, para o conferencista, o estudo dos sistemas de produção musical envolve as indústrias do espectáculo, a recepção, os agentes mediadores, a indústria fonográfica, os eventos públicos (cultura, happenings) e as indústrias culturais (rádio e televisão), sem esquecer os sistemas tecnológicos.
Tilly, com quem já conversara quando eu próprio falei no seminário a propósito da rádio, tem uma ideia precisa da indústria fonográfica nacional. Para ele, o primeiro grande produtor de fonogramas [creio que directa ou indirectamente, aqui enquanto cliente] foi a estação pública de rádio, a Emissora Nacional. Dos anos de 1930 a 1950, tudo terá girado à volta da Emissora. A televisão aparece como um segundo grande cliente a seguir à rádio. Entretanto, surgiam as primeiras empresas de discos, nomeadamente a Valentim de Carvalho (em Lisboa) e a Arnaldo Trindade (no Porto), enquanto outras editoras discográficas, de dimensão reduzida, entram também no negócio de gravar e distribuir discos.
Arnaldo Trindade - que vinha de negócio ligado a electrodomésticos - passou a aglutinar também a música. Começou por fazer impressão de discos ingleses, acabando com alguma dificuldade em obter discos de rock e pop, constituindo-se como promotor e apoiando autores portugueses, caso de José Afonso. Mas também foi na Arnaldo Trindade que Adriano Correia de Oliveira iniciou a actividade gravar discos, no que sucedeu ser uma editora de cantores não queridos pelo regime político. Também José Cid, com disco anunciado na televisão, o que terá acontecido pela primeira vez, esteve ligado à mesma editora, representando outro gosto musical. Arnaldo Trindade, por via disto e da sua capacidade promotora, tornar-se-ia rival da editora Valentim de Carvalho.
A produção musical implica processos inerentes às mudanças, emergência de novos géneros e estilos musicais, influência de políticas editoriais na música popular, relação com a música de outros países e integração nos mercados globais. Estas ideias têm concretização, por exemplo, na nova consciência dos agentes musicais, que reconhecem a necessidade de terem os seus próprios artistas. Até então, como o produtor vinha da rádio, o que se gravava era o que se conhecia, caso das canções do teatro. Agora, passava a incorporar-se a ideia do descobridor de talentos, do produtor. Cada editora lançava artistas novos e fazia contratos exclusivos. Nasciam agentes musicais que faziam carreira na indústria discográfica, caso de Tozé Brito, que se iniciara nos Pop Five Music Incorporated, do Porto. Isto enquanto nascia a ideia do conjunto eléctrico, como Vítor Gomes.
António Tilly fala dessa nova periodização, que acaba em 1974, quando, devido a alterações políticas do regime, os músicos se lançam em formas de cooperativismo, que existe até cerca de 1978. Era uma altura em que os músicos entendem combater o imperialismo das grandes editoras e os partidos políticos pretendem criar editoras discográficas. A Festa do Avante, organizada pelo Partido Comunista, é um exemplo paradigmático. Música de contestação, directa e acompanhada à viola. Era o tempo dos baladeiros, conceito que começara com o programa de televisão Zip-Zip, e onde se deram a conhecer músicos como Manuel Freire e Carlos Alberto Moniz. A validade musical dependia também da relação com a música tradicional (via recolha de Giacometti). Havia uma sonoridade de inspiração rural e contra as sonoridades do folclore, do fado e da música ligeira, estilos apoiadas pelo anterior regime político. Dava-se favorecimento à canção de autor, que interpreta o que diz, como selo de autenticidade. O expoente deste tipo de música popular seria Fausto.
António Tilly chama ainda a atenção para o peso dos arranjadores e da sua ligação a músicos. Ele cita os exemplos de José Nisa (que fez músicas para Adriano Correia de Oliveira), José Calvário (que traz Thilo Krassman para Portugal), Pedro Osório (que se iniciara num grupo musical). Mas também destaca o peso de jovens cantores e compositores, como Paulo de Carvalho (que seria uma tentativa de internacionalização da música portuguesa, cantando em inglês) e Fernando Tordo. José Mário Branco, já a trabalhar em França, procura trazer essa experiência internacional e adaptar o cooperativismo no nosso país. É com Branco, no seu primeiro disco, que Sérgio Godinho se revela.
O novo tipo de música produz a assimilação de música tradicional imaginada na cabeça de alguns desses músicos. A Banda do Casaco - agora em reedição - protagonizaria esse estilo. Ao mesmo tempo, iniciava-se um estilo de música folk, entre a tradicional e a pop, assim como surgia uma música de massa, boa para dançar dentro do próprio espectáculo. Assim, na década seguinte, dá-se um boom discográfico, com grupos de rock.
O conferencista chamou a atenção para a importância dos agentes produtores. Inicialmente, eles estavam dentro da Emissora Nacional. O que as editoras fizeram quando surgiram foi lançarem artistas próprios, caso de Marco Paulo em 1966, que substituiria António Calvário, que saira da Valentim de Carvalho para outra editora.
Etnomusicólogo, nomeado recentemente para fazer parte da comissão criadora do Arquivo Sonoro Nacional, António Tilly é um dos organizadores da Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX (a editar pelo Círculo de Leitores). Retiro do sítio do INET - Instituto de Etnomusicologia a seguinte informação: "A Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX aborda todos os domínios da música em Portugal no século XX. É constituída por mais de 1200 entradas, organizadas por ordem alfabética - seguidas de bibliografias, discografias e listas de obras - uma bibliografia e uma discografia gerais, uma cronologia e um índice remissivo, num total de ca. de 3000 páginas. Esta obra de referência conta com 20 consultores e 130 redactores portugueses e estrangeiros. Trata-se de um espaço de representação actual do conjunto do pensamento e das práticas musicais em Portugal no contexto das correntes culturais, sociais e políticas mais significativas. Previlegia-se a abordagem multidisciplinar, integrando perspectivas teóricas e metodológicas da etnomusicologia, da musicologia histórica, da antropologia, da sociologia e da história". A direcção científica e coordenação da obra pertence à professora catedrática Salwa El-Shawan Castelo-Branco e tem coordenação adjunta de António Tilly dos Santos, Pedro Félix Rodrigues e Rui Cidra.
Devo dizer que foi uma das mais importantes comunicações que ouvi sobre o tema, dada a qualidade do orador. As notas que coloquei aqui respeitam ao que apreendi; se houver algum erro, ele deve-se ao transcritor, que chegou atrasado e todo molhado, pois o dia esteve diluviano, ocupando um lugar menos central na sala.
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