Coisas e Coisas
Que porra é essa?
Na manhã daquela sexta-feira, eu, ainda um jovem Duda, cheguei à redação tranqüilo. Não estava na pauta do dia, tinha apenas uns textos para escrever para o fim de semana. Daria para almoçar com calma, fazer algumas pesquisas e paquerar a menina do arquivo. Mas como eu sempre me dou mal neste blog, a história deste post não poderia ser diferente. O pauteiro, que me via de longe, apesar de minha discrição, aproximou-se rapidamente.
- Oi, Duda, que bom que você chegou. O Roberto, que não pôde vir hoje por causa de suas cólicas renais, tem uma entrevista marcada para as 11 horas com o embaixador brasileiro nos Estados Unidos, lá no prédio da Bolsa. Você vai ter de segurar essa.
- Mas olha a minha roupa. Não vim preparado para entrevistar um embaixador.
- Você está ótimo, Duda, e agora não dá para ficar preocupado com isso. A pauta é sobre aquela polêmica da propriedade intelectual, da quebra de patentes e tal.
- Eu preciso pesquisar algo no arquivo antes de ir.
- Duda, voa para a Bolsa porque a entrevista é daqui a meia hora!
Voei. Aliás, um vôo cheio de turbulência no carro de reportagem. Estava desesperado, inseguro. Comecei a ter dor de barriga, as mãos suavam. Não tinha qualquer idéia do que seria a polêmica da propriedade intelectual com os Estados Unidos. Que porra era aquela? Naquele tempo, não havia BlackBerry, internet móvel, Google ou Wikipedia para me socorrer. Éramos apenas eu e minha ignorância no carro. Ou melhor, ao meu lado também estava o seu Péricles, motorista do jornal, cantarolando uma música sertaneja que tocava na rádio.
- Ô, seu Péricles, o senhor sabe alguma coisa sobre esse caso de propriedade intelectual, da polêmica com os Estados Unidos?
- Olha, seu Duda, a única polêmica com propriedade que eu tô sabendo é a questão da regularização das casas lá onde eu moro.
E começou a contar que morava num terreno invadido havia anos, que era área de manancial, mas que a prefeitura estava querendo dar o título de propriedade aos moradores. A minha cabeça viajava, não ouvia mais nada da história do motorista. Pensei em fazer a mesma consulta ao rapaz que vendia Suflair no farol, mas logo percebi que esta tentativa seria pior do que a primeira. E não era só o meu desconhecimento sobre o assunto que me perturbava. O que eram aquelas roupas? Calça velha, tênis velhos, camisa amarrotada. Ainda tinha a barba cerrada. O embaixador, com certeza, me olharia com cara de nojo.
Enfim cheguei ao prédio da Bolsa, com um ligeiro atraso e uma dor de barriga ainda maior. Subi, me apresentei e, minutos depois, fui recebido pelo embaixador. Com cara de nojo, é claro. Só fiquei mais aliviado quando apelei para a sinceridade. Contei das pedras no rim do meu colega de trabalho, que eu havia sido pego de surpresa pela pauta e que desconhecia o assunto. O embaixador riu e o que era para ser uma entrevista transformou-se num monólogo, ou uma aula sobre a polêmica da propriedade intelectual com os Estados Unidos. Entendi tudo e perfeitamente, e tive material abundante para, naquela tarde, escrever uma incrível notinha de sete linhas.
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