Coisas e Coisas
OS 50 ANOS DA RTP VISTOS PELOS EDITORIAIS DOS JORNAIS
OU ARTIGOS DE OPINIÃO
A RTP comemora hoje 50 anos que começou a emitir televisão. Foi em antigo espaço da Feira Popular de Lisboa.
Os jornais de hoje dão relevo ao evento, casos do
Público e
Diário de Notícias (4 e 6 páginas, respectivamente), mais o editorial de José Manuel Fernandes (
Público) e o artigo de opinião de Pedro Rolo Duarte (
Diário de Notícias). É sobre estes dois textos assinados que quero fazer um comentário. Os títulos quase conotam os textos que se seguem. Fernandes titula "Os 50 anos da RTP e os nossos 224 milhões", Duarte "Aos 50 anos".
50 anos é a idade do director do
Público, como há dias confessava em editorial emocionado - ele escrevia então sobre quando tinha 17 anos e foi um dos milhares de actores que participaram na sociedade após o golpe de Estado de 1974. Aos 17 anos está-se a despertar para o mundo: ele é querer mudar o mundo, arranjar uma nova namorada, descobrir o encanto do cinema (como confessa). Fernandes é da idade da RTP. Aos cinquenta anos já se perdeu a frescura dos ideais de juventude (políticos, por exemplo, como foi o seu caso), começa-se a ficar rezingão (como muitos dos seus editoriais mais recentes), mostrando descrença total (sobre as capacidades de regeneração do país).
Retiro uma parcela do seu editorial: "Um dos seus presidentes [da RTP] disse um dia que ela fazia parte do aparelho de propaganda do Estado, mas esse era um homem sincero e frontal que sabia ao que ia. Boa parte - a maior parte - destes 50 anos foram marcados por esta marca genética, por uma cultura de alinhamento com o poder do momento que, muitas vezes, nem necessitava de que se demitissem ou nomeassem administradores ou directores".
A história da televisão pública é a história de um país com uma situação complicadíssima nas décadas mais recentes. Saimos de uma ditadura e entrámos em período onde a democracia era ainda um simulacro, apesar da visão de futuro de diversos dirigentes políticos. A construção do regime democrático foi sendo feita por passos pequenos. Havia uma grave questão colonial para resolver (mal resolvida, se calhar porque não havia alternativa), com quatrocentas mil pessoas retornando ao país vindas desses espaços coloniais, empresas a fechar, uma taxa de inflacção com dois dígitos, viragem para a Europa e a adesão à então CEE com virtudes e exigências, além de contradições provocadas pela mudança de regime. Os media reflectiram isso; não foi apenas a televisão (ou a rádio) de Estado que alinhou com o poder. Os media privados não estão isentos dessa ligação antes e depois de 1974. Por isso, há que alargar o quadro de reflexão.
Já do artigo de opinião de Pedro Rolo Duarte extraio a memória (grata) que ele guarda da televisão pública. Escreve: "A RTP é a prova viva dessa ideia: ameaçada ao longo dos anos por fenómenos tão diversos quanto o caos da revolução, ou o dinamismo dos canais privados, foi abaixo mas voltou sempre à tona de água - conseguiu dar a volta por cima e, como agora se diz, «chegar-se à frente»".
Duarte recorda 20 anos de ligação profissional com o meio televisão, Fernandes olha para a RTP como se ela fosse alguém da sua idade. Aquele vê a televisão como um meio externo a si, e de quem pode falar como apreciador ou crítico; este vê a televisão como se filiada a si, sinalizando o que aconteceu e o que poderia ter acontecido se houvesse previsão (visão do futuro). O artigo de Duarte fala-nos como se estivéssemos numa tertúlia; o editorial de Fernandes é normativo e moralista.
Quase no contexto: o blogue
Conversas sem ferrolho conta um episódio da televisão pirata em Portugal, a Televisão Regional de Loures, há 21 anos. Contudo, o repositório dessas experiências antes dos canais privados SIC e TVI é mais contextualizado no livro de Pedro Coelho,
A TV de proximidade e os novos desafios do espaço público (2005, Livros Horizonte e CIMJ).
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