CULTURA PARTICIPADA
Coisas e Coisas

CULTURA PARTICIPADA


Néstor García Canclini, no seminário do passado sábado, falou de um estudo que está a promover no México sobre jovens e emprego, situando-se nos trendsetters e em quatro áreas: 1) audiovisuais, 2) edição (livros, jornais e revistas), 3) música, 4) redes criativas digitais. Dirigindo-se a estudantes universitários ligados à cultura, foi um tema excelente.

Contudo, ao falar de trajectórias de vida, trabalho precário e por projectos e em empresas sem compromissos sociais, percebi que há mais campo de investigação. Por isso, julgo que o texto de José Machado Pais, Ganchos, tachos e biscates (2001), dá uma excelente complementaridade à investigação conduzida pelo antropólogo argentino e (e também de nacionalidade mexicana).

Em Ganchos, tachos e biscates, Machado Pais fez 14 entrevistas aprofundadas (p. 109) a jovens com distintas trajectórias de vida (reclusos, prostitutas, arrumadores de carros, distribuidores de pizzas, disc-jokeys), mapeando percursos profissionais (tipo de ocupações, duração, escolhas e abandonos, ritmos de trabalho, rendimentos), tendo como elementos primordiais o trabalho precário, a problemática de "ganhar a vida" em cada um dos entrevistados e as necessidades de consumo impulsionadas por um mercado de consumo juvenil e valores hedonistas (p. 113). O livro, ao desenvolver o conceito de trajectória de vida, inclui ideias relacionadas com vida familiar, vida escolar, vida profissional (p. 401). Ainda no capítulo de metodologias, que estou a seguir, José Machado Pais trabalhou as entrevistas gravadas em termos de análise de conteúdo segundo três níveis: sintáctico, semântico e pragmático (p. 114). E organizou o livro segundo dois tipos de conectividade - vertical, com cada capítulo a versar a história de um jovem ou mais dentro de um mesmo "ramo" de actividade; horizontal, confrontando categorias encontradas nas várias entrevistas (p. 121).

O que o todo do livro trata - e que referi acima - é o novo conceito de trabalho, não já a carreira mas a flexibilidade, o projecto, a precariedade. E em que, anuncia-se logo no começo do texto, muitos dos jovens lutam pela sobrevivência, inventando formas de ganhar dinheiro, não necessariamente associadas a identidades negativas e em que se pode desenhar um certo desempenho profissional (p. 16). Agregam-se ainda as ideias de fronteira, de margem e marginalidade, da passagem de uma sociedade forjada em instituições disciplinadoras (família, escola, Igreja, exército) para uma sociedade flexível e modulável (grupos de amigos, círculos de colegas) (p. 403), com indistinção crescente entre o que se considera de dentro e de fora. Por exemplo, a família é preenchida e substituída pelos media, a prisão torna-se a universidade de aprendizagem do crime, os alunos ameaçam os professores com a sua indisciplina.

Mas, ao mesmo tempo, é deixada uma mensagem de esperança numa sociedade muito contraditória: a escola da cultura prescritiva, de normas e planos de estudo, vai dando lugar à sociedade participada, de envolvimento dos jovens (p. 414). Aqui, apetece-me regressar a Canclini e ao seu conceito de trendsetters, de jovens criativos e modeladores de situações novas e ambiciosas. Onde contam as redes e a maleabilidade para aceitar/enfrentar desafios.

Leitura: José Machado Pais (2001). Ganchos, tachos e biscates. Jovens, trabalho e futuro. Porto: Ambar



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