Coisas e Coisas


TELEVISÃO REGIONAL

[post dedicado a Dora Mota e a todo o grupo Mediascópio (Universidade do Minho)]

Na passada terça-feira, num seminário interno sobre media, foi analisada a questão da televisão regional. A minha posição não foi muita positiva. Quero agora esclarecer melhor o que penso.

Olhando, por exemplo, o Minho, em que a edição diária local do Público foi encerrada poucos meses atrás, ou uma região como a península de Setúbal, em que as rádios têm tido problemas financeiros, como é que se pode falar em instaurar televisão regional, se as condicionantes legais desaparecerem?

Os custos fixos em televisão são mais elevados que nos outros media e a consequente elaboração de conteúdos implica uma rede produtiva mais vasta que uma qualquer indústria cultural. A cadeia de valor na televisão acaba por ser mais larga - porque vertical, mas também horizontal - que noutras indústrias culturais. Seguindo de perto o que Patrice Flichy escreveu um dia, a televisão tem dois níveis em termos de produção: 1) fluxo, o da programação diária, como os noticiários e novelas ou programas de entretenimento e (in)formação que são emitidos com regularidade, e 2) stock, o dos programas pensados a médio e longo prazo (séries, grandes reportagens, jornalismo de investigação).

Uma das críticas feitas às rádios locais - e que serve como exemplo de não boa prática - é o facto de a grande maioria delas ter arrancado, em 1989 (ano da legislação que permitiu a legalização de rádios piratas e livres), sem estudos de viabilidade económica. Avançaram-se com projectos sem cuidar se eles teriam sustentação em termos de publicidade e outros ganhos. Resultado: muitas estações não abriram na altura devida e muitas outras foram sendo adquiridas por grupos que não tinham concorrido ao seu licenciamento mas possuíam capitais para as comprar, desvirtuando eventualmente os projectos. A ideia de rádio de proximidade - com auscultação permanente das populações e dos seus desejos e interesses - foi transformada, ao longo dos anos, em repetidores (rádios nacionais encapotadas) ou em gira-discos de playlists.

À tentação do poder central em controlar a televisão - como nos anos de 1930 e décadas seguintes ocorreu com a rádio -, não parece fácil as regiões e cidades do país acederem à possibilidade de emitir em televisão. E a história de experiências (Lisboa, Abrantes, outros sítios), mostrada por Pedro Coelho em tese de mestrado já aqui referida (e que aguarda publicação em livro), não dá uma imagem brilhante das organizações. Mais recentemente, um grupo sediado no Porto tem feito publicar notícias nos jornais, em que se dá conta da intenção de lançar um canal regional por cabo. A dúvida que se coloca é, de novo, a sua viabilidade económica.

Análise SWOT e financiamentos

Resolvidas as questões legais e tecnológicas, que programação se espera de uma televisão regional? Informação da região, concertos e espectáculos com artistas da região, comprando ou produzindo séries (estas usando profissionais da região: produtores, realizadores, argumentistas, cenógrafos, electricistas; indústrias horizontais, como catering ou aluguer de espaços e veículos). A questão principal é o financiamento, pois tudo isso implica muito dinheiro. Quem paga? As indústrias locais, as câmaras municipais, as entidades locais? Lembro apenas que projectos aparentemente sólidos como o da televisão digital terrestre em Espanha e Inglaterra acabariam por falir, enquanto os projectos de televisão autónoma no país vizinho enfrentam problemas sérios de endividamento.

Há, a meu ver, duas hipóteses, uma integrada, outra tecnológica, dentro de uma leitura de oportunidades e perigos (análise SWOT). A primeira implica o esforço colectivo de uma região, apostando num cluster de actividades em que a televisão é uma delas e articulada a outras como o turismo. Na Inglaterra, quando se fala em indústrias criativas pensa-se em moda ou em joalharia ou mesmo em recuperação de sítios fabris adaptados a outras funções (museus). Além de nova edificação - já falei aqui no museu Guggenheim, em Bilbau, que inverteu a tendência depressiva da região, pois o novo espaço de arte contemporânea veio trazer muita gente à cidade basca.

A segunda destaca os saltos tecnológicos, os quais poderão permitir fazer aquilo que parece hoje difícil, pelo menos do ponto de vista económico (e de conteúdos). A rádio primeiro e agora a internet são lições que mostram possibilidades inimagináveis: hoje, a edição de jornais e newsletters (além dos livros), bem como emissões on-line de rádios, é muito mais fácil do que se imaginaria até há pouco.

Mas uma e outra das variáveis aqui equacionadas estão acima da vontade de quem regista o panorama dos media numa região. Implica decisões políticas, económicas, sociais e educativas a médio e longo prazo. Por exemplo, uma televisão regional necessita de uma escola que forneça quadros (gestão, técnicas, artes). Haverá vontade política de fazer políticas de desenvolvimento na longa duração?



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