Coisas e Coisas
Vozes
- Tire essa faca das minhas costas. Eu não pretendo morrer agora. Você pode levar meu sangue e até meus rins, se for o caso. Faça bom proveito. Ganhe um bom dinheiro. Eu não me importo. Nunca necessitei dessas coisas para sobreviver. A única coisa que peço é que tire essa faca das minhas costas. Se quiser realmente me matar, o faça olhando nos meus olhos. Eu não morro de surpresa. Eu não morro dessa morte normal que todos têm. Minha morte é muito mais sutil. Minha morte será muito mais sutil. Minha morte virá em palavras. Ou em gestos. Talvez em ausência. Talvez em ausência disfarçada de cotidiano. Talvez. Mas quando a minha hora chegar, eu estarei preparado, não se preocupe. Eu aprendi a ler os sinais. Eu aprendi a perceber as sutilezas da vida. Aprendi a antecipar sua chegada traiçoeira. Aprendi a não me ferir com a faca nas costas.
- É estranho ouvir você dizer essas coisas. Você fala de estar com uma faca nas mãos. E eu falo de ter um coração nas mãos. Talvez você sentisse dor porque nunca é fácil entregar seu coração a outros. Mas eu estava disposto a cuidar dele. Estava disposto a pensar em maneiras de mantê-lo batendo. Pulsando. É estranho ouvir você dizendo que eu queria te matar, quando na verdade eu estava colocando meu sangue junto ao seu para mantê-lo vivo. É estranho ouvir você dizer que aprendeu a ler os sinais... quando eu mesmo não sabia que estava enviando sinais. Eu estava apenas perdido. Tentando encontrar uma maneira. Tentando fazer com que nossas vidas pudessem encontrar alguma ordem. Tentando entender nosso cotidiano. Tentando.
- Quem sou eu para julgar a relação de alguém. Ninguém. Não me dou esse direito. Não me dou direito nenhum. Eu simplesmente observo. Como se no fundo fosse eu ali, agindo. Agindo daquela maneira e sofrendo por ter feitos aquelas coisas. Sofrendo por ter tido coragem de empunhar aquela faca. Sofrendo de dor pela traição anunciada. Sofrendo de dor por ter sido mal compreendido. Minha vida é um sofrimento sem fim. Assim como aquele famoso personagem de ficção, fui fisgado pela dúvida. Não sei se fui eu quem traiu ou foi traído. Não sei se fui eu que causei a traição. Minha. Do outro. Tudo por causa dessa maldita mania de observar. Observar minhas mãos agindo sem que eu tenha dado o comando. Observar meu corpo seguindo inescrupuloso sua rotina sem fim de afiar a faca. Retirar o coração e ir seguindo a dor. Sentindo a dor.
- Não é de hoje que vivo com essa sensação de estar sendo vigiado. Acordar de sobressalto e ver um vulto saindo do quarto. Correr até a cozinha e não ver ninguém. Como é possível que alguém saia tão rapidamente de sua vida? Sem deixar rastros. Mas eu sinto que você ainda me acompanha. Eu consigo sentir sua presença maligna. Eu consigo perceber você me acompanhando por todos os bueiros escuros que tenho me metido para testá-lo. Eu nunca fui de frequentar esses lugares. Não era um ser tão escuro. Não sou. No fundo eu detesto esses lugares inóspitos em que me meto somente para te encontrar. Me seguindo. Me martirizando. Rindo de mim. Rindo... de mim.
- De onde saíram essas vozes? Por que elas insistem em ficar martelando os erros que eu cometi(o)? Elas não compreendem que era necessário retirar os rins do pecador? Do traidor. Elas não compreendem que a traição era inevitável. Ele pedia a traição. Fez por merecê-la. Eu mereci.
- Difícil dizer onde tudo começou a ficar confuso. Talvez no dia em que acordei suado. Vestido. De vestido. Com manchas de sangue em meu corpo. O quarto estava cheio de inscrições. Números. Palavras de alguma língua que eu não entendia. Escritas em sangue. Meu sangue. Que quarto era aquele? Que hotel de quinta! Aquela banheira cheia de gelo? Piada infame. Mas o sangue era real. Muito real. Tão real que quase não consegui ao telefone. Mudo. Caído ao lado da mesa de cabeceira, escutei tua voz. Minha voz. Vozes.
- Tire essa faca das minhas costas.
- Quem está aí?
- Eu não pretendo morrer agora.
- Quem é você?
- Leve tudo o que quiser, mas me deixe viver...
- Quem está morrendo aqui sou eu!!!
- O quê?
- Hein???
- Socorro!
- Socorro!
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