Asas!
Coisas e Coisas

Asas!








Sempre tive uma certa admiração por asas!!! Não sei dizer exatamente onde isso começou, e provavelmente, também não sei onde irá terminar ... mas, por exemplo, numa imagem de um anjo, a coisa que mais me fascina são as asas. Talvez o sentimento de liberdade que elas transmitem. Talvez a sensação de que é possível, com elas, estar em qualquer lugar, quando quiser... Mas, não é o ato de voar que me fascina... acho que é o poder! O poder de voar... de sair de onde você está e não poder ser alcançado por nada. Nem ninguém... Sim, outra ilusão infantil... Uma tendência ao autismo.

Que ótimo seria decidir entrar em mundo que não pudesse ser incomodado por ninguém! Minha mãe fala. Meu pai fala. Minha tia fala. Meu vizinho fala. Meu cachorro fala... mas, no fundo, no fundo, só escuto o que quero... e sigo com minha vida... do jeito que quero ... ou posso! Mas, naquele momento, eu estava querendo asas mesmo! Essas de penas (ou seriam plumas?), coladas às costas e que com muito custo (sim, porque não pensem que voar é fácil!) te levam a onde você quiser. Praticamente um avião jatinho particular, o que já resolveria o problema, mas não seria tão poético.

Então, eu pedi! E, aconteceu! Numa bela manhã, acordei e senti um pequeno desconforto nas costas. Muitas horas na frente do computador, pensei. Na hora, não dei muita importância. Logo, logo, passaria. Mas, não... o desconforto continuava. Passado uma semana, quando estava indo deitar, senti que estava com algo me incomodando. Levei a mão até as costas e percebi um pequeno inchaço. Não tinha a mínima noção do que seria. Tenho que procurar um fisioterapeuta, pensei novamente. Os dias se passavam e o inchaço permanecia, mas acabei me acostumando com ele.

Até que, numa noite, acordei muito suado. Achei que estivesse tendo um pesadelo. Fui até a cozinha, tomei um copo de água e retornei pra cama. Comecei a me dar conta de que a dor nas costas havia aumentado... muito. Deitei-me. A dor e o suor continuavam aumentando. Tentava, de todas as maneiras, dormir. Virava e desvirava na cama. Num determinado momento senti a cama úmida. Levantei, corri até o interruptor e acendi a luz.


Sangue. Muito sangue. Os lençóis estavam ensopados de sangue. Comecei a olhar para o meu corpo tentando entender de onde aquele sangue todo estava saindo. Não podia ser de mim. Eu estava todo sujo de sangue. O que eu achava que era suor, na verdade, era outra coisa. Corri para o chuveiro. Nem dei tempo para que a água esquentasse, me meti debaixo da ducha tentando me livrar de todo aquele vermelho.

Ao entrar na água eu senti a dor mais aguda da minha vida! Era como se meu corpo se rasgasse. E, realmente, isso acontecia... Olhei para o chão e vi todo meu sangue se esvaindo junto com a água do chuveiro. Meus joelhos dobraram-se. Eu não conseguia permanecer de pé passando por tudo aquilo. Então, aconteceu. Eu não podia ver, mas podia sentir... de dentro do meu corpo elas brotaram. Brancas, alvas, imaculadas. Ergueram-se nas minhas costas levando toda a dor embora. Foi um momento único. A realização de todos os meus desejos.

E hoje eu estou aqui, no meu apartamento, preso! Por causa dessas malditas asas não consigo mais sair à rua. Já tentei escondê-las por baixo das roupas. Encolhê-las. Já tentei cortá-las. Já tentei lixá-las. A dor é lancinante. Mas, passam trinta minutos e elas voltam. Sempre com muito sangue, com muita dor. Vez ou outra eu me arrisco a voar, sempre de noite. Uma vez fui visto e percebi que causei terror nas pessoas. Elas não estavam prontas para entender que eu não era algo fora do comum. Era apenas um homem com asas. Um homem com umas malditas asas!




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