A menina acordou assustada. O ruído vinha de dentro do guarda-roupa. Como sempre, os maiores medos estão guardados dentro do armário. Mas não era um armário qualquer. Era um desses imensos, de madeira bruta e envelhecida pelo tempo. O armário, em si, era uma entidade. A menina, coitada, parecia sumir diante dele. E era de lá, de dentro dele, que vinha o ruído. Sua primeira vontade foi enfiar-se debaixo dos cobertores e fazer de conta que o ruído não existia. Mas, ela sabia que, um dia, teria que enfrentar seus medos. Seu corpo estava petrificado. Levou aproximadamente uns cinco minutos só para decidir-se levantar da cama e verificar se realmente havia um ruído. Ela ergueu-se lentamente e colocou sobre o chão frio um dos pés. Não havia vontade de fazer o que tinha que ser feito. Não havia o mínimo de vontade, mas chega uma hora em que a vontade deve ser deixada de lado. Chega uma hora em que somente temos que fazer o que temos que fazer. Ela sabia que, se não enfrentasse o ruído, não conseguiria dormir novamente. Iria ficar a noite toda encolhida na cabeceira da cama. Acordada e tremendo de medo. Já havia passado por isso antes. Já sabia como era passar a noite em claro.
Quando colocou o segundo pé sobre o piso, um arrepio percorreu sua espinha. Ela não sabia dizer ao certo se o arrepio era causado pelo medo ou pelo frio. De qualquer forma só servia para ampliar a atmosfera de terror da cena. Sim, porque essa cena tinha todas as características de um filme de terror. Uma luz azulada e fria que entrava pela janela semi-aberta. Uma porta pela qual entrava uma fresta de luz amarela. Um ruído indecifrável que vinha de dentro do armário em contra-luz. A menina vestia uma dessas camisolas beges dos filmes de antigamente. A cena parecia ter sido desenhada por um mestre das artes plásticas. Ele sabia, só com a utilização das cores e planos, manter a platéia em suspense. A sensação era de que, qualquer respiração poderia alterar o final do enredo.
A menina então se viu de pé em frente ao armário. Entrando na fresta de luz que vinha da porta. Prestes a dar um passo em direção à escuridão total. A menina estava decidida a descobrir que ruídos eram aqueles, embora sentisse muito medo. Chegou à porta do armário e não deixou tempo para se arrepender da decisão. Puxou a porta com força. Abriu de uma só vez. Teve coragem. Mas a cena não era composta de sustos gratuitos. Não havia um esqueleto ou qualquer coisa óbvia para fazer a platéia dar um salto. Neste momento, o armário já não era um armário. O armário havia se transformado em uma passagem. Uma passagem que levava ao subsolo através de uma escada, tão assustadora quanto os outros elementos presentes na narração. Nada seria de graça.
Ao lado da porta, havia uma lanterna. A menina não teve dúvida. Acendeu a lanterna e iluminou o porão. Essa menina era dessas dos filmes... elas sempre são mais corajosas que nós. Mesmo com seu tamanho tão pequeno ela faz coisas que nós jamais faríamos. No fundo do porão havia uma caixa. Uma caixa pequena. Escura. Uma caixa de cena de suspense. No mesmo momento a menina ouviu, vindo não se sabe de onde, alguém dizer: Abra a caixa! Abra a caixa - repetia a voz, sem parar.
A menina não podia desistir. Já havia chego até alí. Não abrir a caixa agora seria covardia. Seria negar tudo o que tinha feito. Ela desceu pé entre pé. Parecia ter mil olhos sobre ela. Quanto mais descia a escada, mas frio sentia. Era como se estivesse entrando em uma tumba. Nada bom parecia poder sair daquele lugar. A cena agora também tinha fumaça. Não era fumaça de algo que se queima. Era uma fumaça parecida com um nevoeiro... mas como poderia haver um nevoeiro em seu porão? A escada estalava. O clima de suspense estava chegando ao ponto máximo, como um arco que se estira para lançar uma flecha que não sabemos onde pode atingir.
Ao tocar na caixa, a menina percebeu que esta estava quente. A caixa era exatamente o contrário do que estava a sua volta. E, por isso mesmo, lhe dava mais medo. O que não podemos explicar sempre nos causa medo. E tudo o que estava acontecendo a ela, com certeza não seria fácil de explicar. Ao contrário do que fez com o armário, desta vez a menina não abriu a caixa de uma vez só. Ela foi abrindo lentamente, com medo de que algo pudesse atingi-la. Quando terminou de abrir a caixa sua expressão era um misto de surpresa e espanto. Por alguns segundo, que pareceram séculos, ela ficou imóvel. Estática. Depois, fechou a caixa com rapidez e força e subiu correndo as escadas. Enfiou-se debaixo das cobertas e começou a chorar. Prometeu, para sí mesma, nunca mais comentar o que havia visto.
... e o que havia dentro da caixa, nós nunca saberemos.