Mesmo agora, numa situação tão diferente, aquele momento ainda persiste na minha memória.
Quando eu te vi pela primeira vez o momento não parecia ser o mais adequado. Quatro horas de espera em um aeroporto não deixa ninguém com bom humor. Nem eu, nem você. É claro que eu não fui até você. Eu nunca teria essa coragem. O máximo que me permiti fazer foi perceber seu desconforto. Eu provavelmente estava olhando mais do que deveria, não seria a primeira vez.
Quando um casal de idosos sentou perto de você ninguém imaginou que seria algo agradável. Eu, o voyeur, percebi seu pouco caso para com eles. Mas, como todas as pessoas de mais idade costumam fazer, eles logo puxaram conversa. Você, no princípio, limitou-se a alguns movimentos de cabeça. Mas, aos poucos, o casal passou de falante à ouvinte. Percebi que eles perguntavam coisas. Percebi também que, aos poucos, você foi se rendendo a conversa. Falava mais, sua postura corporal mudou. Do corpo largado na desconfortável poltrona do aeroporto, já havia certa projeção da coluna na direção do casal. Eu, o voyeur, do outro lado do aeroporto, apenas
observava a situação. Não conseguia ouvir o que falavam. Percebia também que você se dava conta de que eu continuava olhando. Sua atenção se dividia entre a conversa, cada vez mais animada, com o casal e a preocupação com o meu olhar. Eu queria me levantar e me apresentar, mas ao mesmo tempo, não queria perder a comodidade de estar sentado, não sei por quanto tempo ainda, esperando o vôo. Em mim havia a luta entre o desejo e a preguiça. Sem contar que, se de longe você já percebia minha indiscrição, quem sabe o que aconteceria se eu me aproximasse mais? Talvez você também se aproximasse, talvez você se incomodasse. Talvez, talvez, talvez... sempre talvez.
De repente, no meio da conversa você sorriu. Um sorriso que iluminou toda aquela espera. Só que você não sorriu pra mim. Você sorriu para o casal. Provavelmente a conversa evoluía animadamente. Então, eu senti ciúmes daquele casal. Queria que o sorriso tivesse sido para mim. Eu, o voyeur, queria, de alguma forma, ser incluído naquele grupo. Ao mesmo tempo não fazia nada de concreto para isso.
A moça com voz metálica e fria do auto-falante anunciava que os vôos ainda iriam demorar para serem liberados. A essa altura já estávamos chegando as sete horas de espera. Isso não me incomodou. Ao contrário, em algum lugar de mim que não queria que o vôo partisse. Quando tivesse que embarcar poderia perder a possibilidade de ver o sorriso mais lindo do mundo.
Então, me dei conta de que não sabia qual vôo você estava esperando. Ao mesmo tempo em que fiquei exultante, desejando que tivesse o mesmo destino que eu, também fiquei apreensivo pensando que você poderia ira pra qualquer outro lugar. Norte? Nordeste? Fora do país?
A partir deste pensamento, o tempo voltou a ser cruel. Cada anúncio de partida gerava um suspense, uma tensão em mim. Uma após outra, as chamadas foram sucedendo-se: Rio de Janeiro, Cuiabá, Rio Branco... ninguém se mexia. Nem eu, nem você. Eu, o voyeur, percebia, pelo painel, que meu vôo se aproximava. Eu torcia para que você também embarcasse... comigo.
Finalmente a voz metálica chamou: Vôo 1925, com destino à Florianópolis. Eu, o voyeur, não me movi, aguardava ansioso. Você parou a conversa com o casal de idosos. Despediram-se. Eu me levantei e fui em direção ao portão. O casal de idosos também. Você não.
Embarquei. E mesmo agora, voltando para casa, aquele momento ainda persiste na minha memória. Quando eu vi, pela primeira vez, o sorriso mais lindo do mundo.
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- Não importa se você escreve assim ou assado... - Será? - Eu acho que não. O importante é "o quê" você quer falar. - Mensagem? - É... - Não... não mesmo... - Por que não? - Muitas das vezes em que eu mais me comuniquei, nem sabia direito...
- Se você for preso, o que vai fazer?- Vou usar todas as minhas forças para fugir da prisão. Farei o que for necessário para poder escapar e voltar para as ruas. Vou matar, se necessário. Mas vou conseguir sair.- Se você for libertado, vai voltar...
A frase ficou martelando na minha cabeça. "Eu não fiz por mal." Tão simples, não é? Fazer o que se faz e depois, deixar uma frase dessas num bilhete de suicídio. Como se uma frase pudesse apagar todo o passado. Como se uma frase pudesse mudar...
Você não poderia saber... Nunca... Quanto te amei, foi em silêncio. Foi... Você não poderia saber... Afinal... Nós nem nos conhecíamos. Nunca... Você não poderia saber... Óbvio... Quando eu vivia, tu não existias. Ainda... Você não poderia...
... um tipo de sensação inexplicável! Era tudo que conseguia dizer sobre isso. Era mais ou menos sem explicação e ao mesmo tempo tão presente. Era algo que habitava, constantemente, seus sonhos. Habitava suas memórias. Habitava seus músculos...