Flashes

As luzes entravam pela janela do veículo em movimento. Eram como flashes que inundavam o espaço de tempos em tempos. Nunca o suficiente para que pudéssemos perceber claramente o que ocorria em cada compartimento especificamente. Eram fragmentos que entravam pela retina. Embaralhados pelo adormecimento que este tipo de viagem, na maioria das pessoas, causa. O ruído, pelo contrário, era constante. O barulho do motor era ampliado pelos deslocamentos dos automóveis que viajavam na direção contrária. Metros separavam ambos do choque. Mas, como tudo na vida, a iminência do choque acabava por ser esquecida. Tudo que fica espreitando durante muito tempo acaba sendo esquecido. O terror exercido durante muito tempo banaliza-se. A tensão sustentada por muito tempo, aniquila-se.

Mesmo envolto em tanto barulho, consegui ouvir sua respiração. Do outro lado do corredor, você respirava com dificuldade. Olhando pela janela, vendo as luzes da cidade, você chorava baixinho. Entre os flashes que entravam pela janela, eu pude ver suas pernas encolhidas sobre a poltrona. Uma visão clichê demais para ser descrita, mas verdadeira naquele momento. Uma das pernas solta ao lado do corpo, enquanto a outra servia de apoio para a mão que segurava a cabeça. Um flash de sua vida.

Um flash e a história falava de despedida. Uma despedida que poderia ou não ter um tempo determinado. Um até breve. Um nos vemos depois das férias. Uma viagem de trabalho. Um tempo. Uma pausa. Um recorte. Um flash.

Um flash e a história falava de morte. Um outro tipo de despedida. Uma despedida que revela a quantidade de gestos incompletos deixados para depois. Um tempo sem fim. Uma interrupção. Uma vontade de ir-se junto. Um até nunca mais. Uma interrupção. Uma falta de chance. Um final. Outro flash.

Ou talvez não. Talvez fossem todas projeções minhas sobre você. Talvez fosse eu que me sentia em pausa. Interrompido. Talvez fosse eu que quisesse construir uma cena melodramática através dos recortes que eu podia perceber. Talvez fosse eu que olhava pela janela e encontrava flashes de minha vida passando pelas luzes da cidade. Essa cidade na qual eu já voltei muitas vezes e não sinto mais me pertencer. Ou melhor, em que eu não sinto mais pertencer a ela. São ruas e ruas nas quais já andei muito. Vazias. De significados. São pessoas e pessoas que seguem mantendo as mesmas relações. Vazias. De sentido.

Voltando do flash que iluminava meus pensamentos, vejo você ouvindo música. Os fones de ouvido não me permitem saber qual realmente é. Dessa forma, a trilha sonora que soa no meu aparelho acaba sendo a nossa música para aquele momento. Claro, a música que eu ouço é que é culpada de todos os meus pensamentos. Você só tem uma gripe, olhando pela janela do ônibus enquanto aguarda chegar em casa.

Eu é que ouço e sinto falta.

Eu é que escuto "Miss your Love" e fico me lembrando de nós. De nossa interrupção. De nosso tempo. De nosso nos vemos depois das férias.

Volta logo!

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