Tim Maia
Coisas e Coisas

Tim Maia



Vale tudo: o som e a fúria de Tim Maia, por Nelson Motta (Objetiva, 2006).

Acabou chegando às minhas mãos esta biografia do famoso carioca-da-gema-do-ovo Sebastião Rodrigues Maia, escrita por Nelson Motta. Ela conta basicamente a história dos percalços do sucesso do cantor e compositor; além de seu envolvimento com mulheres, álcool e drogas. Segundo a biografia deixa claro, Tim Maia era um sujeito completamente amoral, caótico e tinha uma visão própria do meio artístico e musical brasileiro. Morador da Tijuca, era amigo de infância de Erasmo e Roberto Carlos e foi ele quem ensinou os primeiros acordes de violão ao amigo Erasmo. Viajou aos Estados Unidos, onde aprendeu inglês, cantou e foi preso. Quando voltou, seus velhos amigos já faziam sucesso e desta forma correu atrás do seu também. Ao que consta, foi a gravação de "Não vou ficar" por Roberto Carlos na segunda metade da década de sessenta que alavancou a carreira do compositor Tim, deixando-o pela primeira vez face-a-face com o sucesso.

Com várias frases de efeito, como "estratégia" que gritava quando algo dava errado e deveria sair de cena fugido, Tim Maia dá a impressão de ser um sujeito super-simpático e descontraído. Por outro lado, nada era capaz de empurrá-lo ao palco quando parecia não estar com vontade de fazer seus shows e era famoso por faltar muitas vezes aos mesmos. Quando os titãs o convidaram para uma participação especial em seu show acústico, Tim respondeu que se não ia nem em suas próprias apresentações, o que diria das apresentações dos outros. De fato, talvez seus shows fossem assim tão bons porque ele nunca os fazia quando não estava com vontade. Gostava bastante de torar um "baurete" em algum "garrastazu", ou seja, fumar um baseado em algum local escondido e propício para tal. A maconha foi a única droga que Tim jamais largou durante a vida.

Já no auge de sua carreira, Tim Maia não tinha quaisquer regras e contratava e descontratava músicos e shows a seu bel-prazer. Às vezes era uma visita em sua casa que atendia o telefone e agendava um show. Difícil era saber se Tim compareceria, ainda mais se tivesse que pegar um avião para tal. Tinha rixas com quase todas as gravadoras e criou sua própria, a Seroma, que pagava aos sábados, domingos e feriados, mesmo após as 21 horas. Enrolado com dinheiro, nosso herói dá a impressão de jamais ter contratado um músico seriamente e pagava-os com grana viva segundo aquilo que achava que mereciam; as vezes mais, às vezes menos. Tendo uma índole extremamente emocional, mandava embora funcionários de uma hora para outra ou os readmitia também de forma similar. Caótica e sem regras era sua vida.

Dentre os casos mais curiosos, ingressou na religião do Racional Superior e lançou dois CDs pra pregar a cultura racional. Depois caiu na real, chutou a religião, retomou álcool e as drogas. Posteriormente, jamais quis saber destes dois discos lançados. Quando Marisa Monte quis regravar o hit "Que beleza", Tim pediu para que ela deixasse essa coisa pra lá. O sr. Maia gravou com os melhores da Bossa Nova e do Rock de seu tempo e deu um suingue Funk em quase todas as músicas que gravou, não bastasse o enorme poderio de sua voz potente e inconfundível. Morreu em 15 de março de 1998, após passar mal em um show logo quando parecia ter-se decidido diminuir na gordura, no álcool e nas drogas. Talvez tenha sido isso: seu corpo já estava acostumado ao seu triátlon doidão. Foi-se Tim mas suas músicas continuam fazendo sucesso, levantando multidões e divertindo os brasileiros. A biografia vale também para conhecermos melhor a discografia do cantor e fiquei com bastante interesse em escutar alguns discos de Tim Maia que não sabia existirem.

Um pouco de crítica literária

Quanto à biografia per se, eu diria que ela conta basicamente a história do sucesso de Tim Maia, não exatamente a história da pessoa do cantor, embora as coisas estejam claramente interligadas. Falta talvez entrar mais profundamente no universo psicológico do ser humano Sebastião e falta uma caracterização mais existencialista no processo biográfico realizado por Nelson Motta. É uma história superficial da vida do cantor, compositor e intérprete carioca. Conta o desenvolvimento de seu sucesso, suas relações profissionais com outros artistas e gravadoras, sua rebeldia com relação à forma como a indústria musical brasileira foi e ainda é construída, seu envolvimento freqüente com maconha, cocaína e álcool. Mas o livro conta pouco sobre a pessoa de Sebastião Rodrigues Maia, sobre a relação real que tinha com suas amadas, com sua família e amigos. Neste ponto, a obra de Motta é um relato bastante superficial; enfim, não se pode fazer tudo ao mesmo tempo e o livro tem um vocabulário bastante simples e sua leitura é agradável e direta: quase um diálogo entre o biografista e o leitor. Sem dúvida é um livro popular que pode ser lido por qualquer indivíduo, sem qualquer aridez documental. Por vezes achei a escrita um tanto quanto sem cuidados e não gostei do fato de que o autor usa o termo "Providência Divina" algumas vezes ao descrever relatos da vida deste gordinho simpático. Creio que a tarefa do biografista deva consistir em relatar a história tentando envolver minimamente suas crenças e opiniões. Motta tem uma enorme quantidade de opiniões enviesadas -- e às vezes, caretas -- sobre as atitudes e comportamentos de Tim, o que nos faz pensá-lo de má-índole. Enfim, não é possível escrever nada que seja totalmente imparcial, mas por vezes penso que Motta exagera nas opiniões morais, na escolha enviesada do que relatar (sempre drogas e problemas) e pinta um Tim Maia totalmente caótico e quiçá louco. Talvez seja mesmo a verdade; e não sei dizer se Sebastião teria gostado da obra, mas acredito -- com minha opinião também enviesada -- que a resposta seria negativa. De qualquer forma, a obra permite que conheçamos melhor sobre a vida e obra deste grande nome da música brasileira. E se é como a banda Vitória Régia dizia ao fechar seus shows e se realmente "Vale Tudo", a leitura do livro vale muito a pena: bom proveito aos leitores.




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