100 anos de Cartola
Coisas e Coisas

100 anos de Cartola



"A sorrir / eu pretendo levar a vida"
(O sol nascerá)


Amanhã a Terra completará sua centésima volta ao redor do sol desde que veio ao mundo o cantor e compositor Angenor de Oliveira. Nascido no Rio de Janeiro, há um século atrás, Cartola é um ídolo do samba e poeta nato. Segundo a história, Cartola foi um dos fundadores da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira quando morava exatamente naquele morro lá pelos idos de 1928. Inclusive consta o relato que as cores verde e rosa tiveram inspiração nas cores do Fluminense, time do coração deste carioca.

Apesar de sua vocação como cantor e compositor, Cartola nunca conseguiu se integrar de forma "normal" ao mercado de trabalho -- talvez esta seja, inclusive, a maior evidência de sua alma verdadeiramente poética. Assim, trabalhou em bicos como pedreiro, pintor de paredes, lavador de carros, vigia de prédio e office-boy. Foi nos anos 50 que o escritor Sérgio Porto -- o Stanislaw Ponte-Preta -- encontrou-o lavando carros num posto em Ipanema e o relançou como cantor e compositor. Ainda assim, o primeiro LP de Cartola foi lançado apenas 1974, quando ele já era sexagenário. Neste disco, ele apresentava canções que tiveram como temas, principalmente: o amor, a alegria e a esperança. Dentre as canções deste primeiro CD, cito por exemplo: Tive Sim (Cartola), O Sol Nascerá (Cartola - Elton de Medeiros) e Alvorada (Cartola - Carlos Cachaça - Hermínio B. de Carvalho).

É de seu segundo CD, entretanto, lançado em 1976 que gostaria de apresentar ao leitor uma canção que incita reflexão. Este segundo LP do talvez maior ídolo do samba parece-me uma apropriação artística com uma temática mais solitária, de certa forma depressiva, um tanto existencialista e excessivamente poética -- em um sentido mais acadêmico ou clássico, se não me engano. Imagino que muitas das canções deste LP tenham sido feitas tendo como inspiração uma ou mais decepções amorosas que o sambista tenha tido durante a vida.

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O Mundo É Um Moinho
Cartola

Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó.

Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés


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Nesta canção gosto muito da crítica que Cartola faz à decisão de sua consorte em -- imagino, nesta interpretação talvez falha -- o deixar. Evidencia assim, o poeta, a juvenilidade de seu amor "mal começaste a conhecer a vida" e apresenta-lhe o fato inevitável: a vida é feita de mudanças e "em pouco tempo não serás mais o que és". Questiona assim, de forma poética, a decisão tomada por seu "amor".

De forma talvez pessimista, talvez realista, Cartola pede que seu amor o ouça bem. O mundo real é duro e tritura os nossos sonhos. O poeta do morro critica ainda sua companheira por ter sonhos assim tão mesquinhos ao invés de entregar-se ao seu amor. De minha parte, divido com Cartola esse sentimento de pessimismo com relação aos meus mais belos sonhos, embora insista em persistir neles -- ainda que eles por vezes veja-os transformados em pó.

Finalmente, o eu-lírico da canção apresenta à sua "querida" que o abismo em que por vezes nos vemos diante consiste num abismo psicológico criado por nós mesmos e que precisamos transpassar para crescermos como pessoas, cidadãos e poetas.

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Cartola morreu de câncer, em sua cidade natal, no dia 30 de novembro de 1980. Apesar do enorme sucesso de suas composições, o sambista morreu pobre, morando numa casa doada pela prefeitura do Rio de Janeiro. O mundo, de fato, reduziu suas ilusões a pó. Eis nosso dever: resgatar e vangloriar a obra deste maravilhoso artista!



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