Coisas e Coisas
This is your brain on music, de Daniel Levitin
"
Seu cérebro musical" -- em tradução livre --, é o livro do músico e cientista cognitivo Daniel Levitin. Nesta obra, o autor descreve as bases neurológicas da nossa apreciação musical ao discorrer sobre os mais modernos estudos feitos sobre a relação entre o cérebro/mente e a música. Recomendado para qualquer interessado em música ou cognição -- e ainda duplamente recomendado para aqueles que, assim como eu, possuem ambos os interesses.
"This is your brain on music", de Daniel Levitin. Excelente livro ligando teorias cognitivas e neurologia ao nosso gosto e apreciação e técnica musical. Recomendando para interessados por música, cognição e ciência.
* "Seu cérebro musical" infelizmente ainda não tem tradução para o português brasileiro.O autor inicia a obra a descrever alguns fundamentos básicos da música ocidental para o não-iniciado. O livro está sempre retornando e ensinando teoria musical ao longo de suas descrições sobre como se dá a apreciação musical pelos seres humanos. É interessante observar que o autor é um apreciador também da história do
rock and roll e, portanto, sempre apresenta exemplos que remontam à músicas e bandas famosas, conhecidas por um grande público -- tornando seu argumento claro e facilmente acessível. Ao analisar canções ou a forma de tocar de bandas célebres, evidencia o que uma ou outra elas têm de especial e que as faz particularmente atrativas a um grande público. Com um conhecimento interessante sobre a história da música ocidental, Levitin chega a afirmar que:
"O rock and roll pode ser encarado com a etapa final de um revolução musical que durou milênios e que deu às quartas e quintas perfeitas uma proeminência em música que havia sido dada anteriormente apenas ao intervalo de oitava."Outro conceito importante que apreendi na leitura de "
Seu cérebro musical" vem do fato de que nosso cérebro evoluiu de certa maneira a apresentar algum tipo de
expectativa musical. Tal expectativa está relacionada à ordem que as notas soam em uma sequência harmônica e é interessante notar como o nosso "
sistema sensorial pode restaurar informações faltantes que podem nos ajudar a tomar decisões rápidas em situações de risco". Da mesma forma como na figura abaixo temos uma ilusão de óptica ao vermos um triângulo que não está desenhado, temos também ilusões auditivas -- e quando uma sequência harmônica é tocada sem uma nota, nosso cérebro automaticamente a adiciona sem que nos demos conta disso, a completar a nota faltante e criar uma alucinação sonora. E é exatamente na modulação desta expectativa -- indo às vezes à favor e às vezes contra ela -- que identificamos os grandes compositores a trabalharem com os sons e, por conseguinte, com nossas emoções ao escutá-las. Levitin postula claramente: "
A formação e então a manipulação de expectativas está no coração da música e é realizada de um número incontável de maneiras."
De forma a criar uma ilusão de óptica, nosso cérebro nos permite ver um triângulo, na figura, que não existe. Levitin mostra que da mesma forma que temos ilusões ópticas, temos também ilusões auditivas e sonoras, onde nosso cérebro "escuta" algo que não foi tocado. Uma dessas ilusões é exemplificada na música dos Beatles "Lady Madonna", onde temos a impressão de escutarmos saxofones numa parte da canção onde eles não estão presentes.Segundo autor, um ponto relevante sobre a diferença entre a música e outros tipos de arte reside no fato de que a música é manifestada através do tempo e consiste na repetição de padrões agradáveis ao ouvido. Em seguida, mostra como o estudo da música pode ser feito -- com bases neurológicas -- através de medições de eletroencefalogramas (EEGs) ou de áreas de concentração de oxigênio no cérebro (fMRI). Tais padrões elétricos ou de consumo de oxigênio mostram aos neurologistas quais são as partes do cérebro que estão ativas quando nos lembramos de alguma música ou quando as escutamos ou tocamos. E, incrivelmente, a música é um tipo de conhecimento que trabalha um enorme número de componentes cerebrais diferentes, dos mais evolutivamente antigos (como o cerebelo) aos mais modernos e complexos (como o complexo pré-frontal). Interessantemente, a partir de um padrão de eletroencefalograma é impossível saber se uma pessoa está de fato escutando uma canção ou se lembrando dela: as regiões ativas no cérebro são exatamente as mesmas!
O autor também ressalta o fato de que a música consiste num conhecimento bastante relativo e mostra, através de experimentos, que seres humanos reconhecem diferentes músicas ainda que elas sejam tocadas em tons, tempos ou timbres completamente diferentes da versão original. Ainda assim, ele ressalta que um ser humano "normal" normalmente canta uma música que conhece num tom bem próximo do original em que ela tenha sido gravada. Levitin observa que, por exemplo, durante uma festa de aniversário, as pessoas normalmente cantam o "
parabéns pra você" simplesmente no tom utilizado pela primeira pessoa que começa a cantá-la, já que não há um "tom original" para esta canção. Apresenta ainda evidências de como nosso senso musical é apurado e como ser humano médio tem uma boa apreensão do som, embora apenas alguns tenha realmente o chamado "ouvido perfeito" (
absolute pitch). Ressalta ainda que apenas na cultura ocidental é que criou-se um tipo de mitificação do músico e que em outra sociedades é simplesmente natural que todos cantem e sintam-se musicais de uma certa maneira.
Uma discussão relativamente acadêmica da área de
neurologia musical é discutida e está justamente relacionada à discussão sobre o fato da nossa memória guardar uma
informação absoluta ou relativa sobre as músicas que escutamos. O fato de lembrarmos normalmente as músicas em seu tempo e notas originais é evidência do armazenamento absoluto; enquanto o fato de que reconhecemo-nas mesmo quando fora dos padrões originais, evidencia o armazenamento relativo. Ao longo do livro, Levitin apresenta evidências reforçando um ou outro lado da discussão, embora em certo ponto diga que o novo consenso que se emerge consiste no fato de que a teoria de representação musical moderna do cérebro deve ser entendida como híbrida entre essas duas teorias originais -- que ele chama de
multiple-trace memory model: "
estamos gravando tanto informações abstratas e específicas contidas nas melodias".
Outra questão que acho particularmente interessante está relacionada à nossa classificação musical. E assim, Daniel pergunta: o que um som deve ter para que o classifiquemos como blues?, ou rock?, ou jazz? E assim ele entra no problema de categorização, remontando ao problema dos jogos wittgensteinianos, evidenciando que nossa classificação depende de um contexto social e que as categorias classificatórias não têm limites precisos, porém bordas não muito claras e de certa forma sobreponíveis ('
fuzzy' seria o termo técnico, em inglês). Além disso, ele mostra que podemos facilmente criar novas categorias musicais a partir do nada -- podemos caracterizar um novo som, por exemplo, como bossa-funk -- bastando para isso que este ritmo soe-nos como intermediário entre os conceitos que já formamos anteriormente.
Ao discorrer sobre o que faz de um músico (Capítulo 7:
What makes a musician?), o autor apresenta a teoria das 10.000 horas de prática. Reconhecendo evidentemente que a proficiência é um valor medido pela sociedade, o autor apresenta a teoria de que é possível se tornar um especialista em qualquer área que se deseje após 10.000 de práticas neste assunto particular. (Isso quer dizer 10 anos, se você praticar três horas por dia.) Embora esteja claro também que há uma variação pessoal com relação à aprendizagem de determinadas tarefas por diferentes pessoas -- há uma variação genética e cultural que nos deixa mais ou menos aptos a realizar certas tarefas. O verdadeiro músico é que aquele, segundo Levitin, que não pensa na teoria quando está tocando, mas que simplesmente realiza uma performance de forma a criar uma
experiência sonora ao público. O autor cria o conceito de
fonogênico que é paralelo ao fotogênico, porém de uma maneira sonora. E diz ser impossível "tirar os ouvidos" da voz de Sting, da guitarra de Clapton ou do trompete de Miles Davis posto que "
uma força invisível nos guia em direção a eles".
O oitavo capítulo trata sobre a aquisição de nosso gosto musical durante nosso desenvolvimento. De acordo com grande parte das teorias cognitivas, está claro que aprendemos qualquer coisa de forma mais efetiva quando ela nos chega quando crianças, devido a uma maior plasticidade neuronal observada nessa idade. Diz-se que Mozart compôs a primeira sinfonia com oito anos; e diz-se também que seu pai era um dos melhores professores de música em toda Europa à época. Teoriza também sobre o fato de nos transformarmos de certa forma no tipo de música que gostamos de escutar. Que esta música de alguma forma modifica nossas conexões neuronais e nos faz diferentes: "
quando escuto a música de um grande compositor eu sinto que, em certo sentido, nos transformamos em um só, ou que uma parte dele permanece dentro de mim."
Assim como as penas do pavão, Levitin sugere que a música tenha se desenvolvido no ser humano como instrumento de corte sexual, no processo que os evolucionistas chamam de seleção sexual. Pavões com mais belas penas têm mais facilidade de impressionar fêmeas e se reproduzir. O mesmo, segundo Levitin, seria verdade para os seres humanos com habilidade musical.Finalmente, no último capítulo, Levitin descreve porque ele acha que o dom da realização e apreciação musical evoluiu no ser humano. Como evolucionista, concordo com ele ao negar a teoria exaptativa de Pinker. Basicamente a explicação está relacionada ao que chamamos de
seleção sexual. Aquele que faz boa música é capaz de atrair mais fêmeas e assim deixar mais descendentes. Biológica e neurologicamente falando, a música é um tipo de característica que -- como apresentado também ao longo de todo o livro -- envolve uma enorme gama de regiões cerebrais para que possa ser levada a cabo com excelência. E assim, fazer boa música significa ser adaptado e ter bons genes; é uma demonstração de saúde física -- dada pela proficiência no instrumento -- e mental -- capacidade de tocá-lo de forma a produzir prazer noutros seres humanos. Este quesito é então observado pelas fêmeas como característica boa em um macho a ser passada para sua prole. (E é fato notório que os músicos estão entre aqueles indivíduos da sociedade que são capazes de ir para a cama com um enorme número de fêmeas -- onde comenta sobre a vida sexual de Jimi Hendrix e outros rockeiros.) O livro termina com um paralelo entre música e linguagem: "
Como ferramenta para ativação de pensamentos específicos, a música não é tão boa quanto a linguagem. Já como ferramenta de produção de sentimentos e emoções, a música é melhor que a linguagem. E é a combinação das duas -- mais bem exemplificada por uma canção de amor -- a melhor demonstração possível de um corte sexual."
O livro é realmente iluminador, musical e cientificamente. Apresentei aqui apenas alguns pontos-chaves, embora haja muito mais coisa interessante a ser apreendida na obra. Altamente recomendado!
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