SOBRE JORNALISMO E TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO (II)
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SOBRE JORNALISMO E TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO (II)



[O que se segue é uma parcela adaptada do texto que produzi aquando da recente arguência na tese de doutoramento de Helder Bastos, na Universidade Nova de Lisboa]

Nos trabalhos sobre jornalismo, tecnologias da informação e ciberjornalismo, é frequente ler sobre desprofissinalização e desaptidão. A nova geração está mais bem apetrechada que a anterior. Isto faz esquecer iguais alterações em profissões como médico, engenheiro electrónico e arquitecto. Individualizar a profissão sem olhar o impacto das tecnologias em vários saberes tem sempre perigos. Cada geração, cada época histórica assiste a mudanças qualitativas e quantitativas, mas isso não quer dizer que a nova geração atingiu a perfeição ou a redenção.

Isso oferece-me algum tipo de reflexões:

1) Diz-se que uma das características dos novos media é a actualização permanente. Mas, isso já sucedia com a rádio e a televisão. Podemos dizer que os media electrónicos têm essa característica. Se quisermos, podemos remontar aos media pré-electrónicos, como as notícias de agência noticiosa através do telégrafo. O que significa que os media são criados para produzir actualidade. Durante décadas, quando as notícias o justificavam, os jornais faziam segundas e terceiras edições. A distinção, agora, é que não fica rasto das versões anteriores. Além disso, o ciberjornalismo é uma fatia pequena da internet, território vasto de entretenimento, informação, sítios empresariais, redes sociais, interligações múltiplas – e muito lixo. Não há uma realidade homogénea, mas níveis diversos: língua expressa, qualidade das mensagens, desequilíbrio entre texto, imagem e som, exactidão ou incorrecção das palavras e conceitos. Parece-me uma injustiça separar ciberjornalistas e jornalistas; o conceito de remediação, teorizado à frente, ajuda a minha causa. Em 1956, quando se inicia a publicação do Diário Ilustrado, o jornal passa a ser o primeiro com toda a redacção equipada com máquinas de escrever (Fernando Correia e Carla Baptista, 2007). Mas não se pode dizer que as outras redacções albergavam jornalistas pré-históricos. Embora com diferença de escassos anos entre si, as redacções dos media têm computadores desde a década de 1980 e Internet desde finais do século XX. O mercado em si encarrega-se de corrigir diferenças nas organizações mas também a nível etário. O computador Magalhães (para crianças) faz-se acompanhar de computadores igualmente simples para as pessoas mais velhas, que começam a escrever em email e em blogues. Conheço algumas histórias pessoais muito ilustrativas. O uso social das tecnologias faz-se em diversas direcções sociais, culturais, organizacionais e etárias, que se massificam.

2) Lembro os meus usos sociais das tecnologias electrónicas. O meu primeiro email foi de 1994, o meu primeiro telemóvel de 1996. Em 1999, quando fiz investigação para o doutoramento, a redacção do Diário de Notícias tinha um só computador ligado à Internet. Naquele jornal, dizia-se que o Público era um jornal facilitista com os profissionais a retirarem muita informação da internet, pois todos os postos de trabalho já tinham acesso. Podemos dizer que o Público correspondeu ao Diário Ilustrado em termos de desenvolvimento tecnológico. Mas, rapidamente, todos os media ficaram com acessos iguais. Testemunhando ainda a minha relação com as tecnologias, participei na criação de um blogue colectivo em finais de 2002. Estamos a falar de 14 anos, um leque de tempo muito curto. O que me leva a destacar a crítica ao discurso dominante num determinado período. Heinz Steinert (2003. Culture Industry, p. 166), autor da teoria crítica, dizia que, se na década de 1950, as fantasias do futuro se ligavam à conquista do espaço e à energia nuclear, as de hoje focam a internet. O mesmo autor distingue uma classe alta de especialistas de computadores com acesso a toda a informação, que vive, trabalha e ultrapassa as fronteiras regionais, e uma classe baixa, de trabalhadores e empregados assalariados ou por conta própria, irregulares e precários, com contacto com as tecnologias através das consolas de jogos. As diferenças sociais que resultam de vários níveis de educação são exacerbadas. Steinert é tão pessimista como Theodor Adorno e igualmente crítico da sociedade.

3) Atrás lembrei o conceito de remediação, de Jay David Bolter e Richard Grusin (2000), que agora desenvolvo. A remediação é a lógica formal pela qual os novos media remodelam [refashion] as formas mediáticas anteriores. À remediação associam-se a imediacidade, em que o estilo visual nos faz esquecer o meio (tela, filme), e a hipermediacidade, que nos lembra o meio no qual a mensagem aparece. Exemplo: muita da arte digital trabalha modelos ou imagens consagradas ao longo dos tempos e introduz-lhes variações. O que quer dizer que a nova forma aceita trabalhar conteúdos já existentes. O computador é uma tecnologia, actuando sob a forma de imediacidade ou hipermediacidade: os primeiros jornais electrónicos copiaram a "velha" forma do jornal de papel. De quantos anos precisou para se libertar dessa forma e tornar-se um portal com conteúdos próprios e interactividade (caso dos comentários dos leitores)?


[continua]



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