AINDA SOBRE A REMEDIAÇÃO
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AINDA SOBRE A REMEDIAÇÃO



Questiona João Paulo Meneses, na minha mensagem sobre remediação, se a internet remedeia tudo ou nada.

Eu cinjo-me a Jay David Bolter e Richard Grusin, que, no livro Remediation. Understanding new media (2000), falam abundantemente do conceito remediação, que vem logo no título.


Indicam os dois autores (2000: 224) que a internet renova [refashion] a televisão e que a televisão renova a internet. Nesta página, os dois autores associam convergência e remediação, palavras distintas que cobrem a mesma ideia. Por exemplo, a convergência é a remediação mútua das três últimas e importantes tecnologias: telefone, televisão e computador - cada uma das quais é um híbrido de práticas técnicas, sociais e económicas e que oferecem o seu próprio caminho para a imediacia (estilo de representação visual cujo objectivo é fazer esquecer ao espectador a presença do meio, como tela, filme fotográfico ou cinema, e acreditar que está na presença de objectos de representação). O telefone oferece a imediacia da voz ou o intercâmbio de vozes em tempo real; a televisão é uma tecnologia que promete imediacia graças a uma monitorização em tempo real do mundo; a promessa de imediacia do computador é dada pela combinação dos gráficos de três dimensões, acção (programada) automática e interactividade que a televisão não consegue.

Se juntas, cada uma dessas três tecnologias procura superar e absorver as outras, promovendo a sua própria versão de imediacia. Contudo, a lógica da remediação, continuam Bolter e Grusin (2000: 225), sugere que nenhuma tecnologia elimine as outras. É o caso dos videojogos, que podem ser jogados numa consola de videojogos ou num computador mas igualmente num televisor.

Mais à frente, Bolter e Grusin (2000: 232) destacam a comunidade virtual, que remedia a noção de comunidade definida na internet mas igualmente definida em media anteriores como o telégrafo, o telefone, a rádio e a televisão. Quando falam de comunidade virtual, Bolter e Grusin não se referem à noção de comunidade imaginada de Benedict Anderson, em que uma população se imagina pertencer a uma identidade nacional mesmo que não haja conhecimento físico dos seus membros. Referem-se sim a Marc Augé, quando este enuncia os não-lugares, que não são lugares antropológicos em si. Pense-se num aeroporto, numa auto-estrada ou num hipermercado, iguais em qualquer parte do mundo e, por isso, sem identidade própria. À lista de não-lugares de Augé, Bolter e Grusin (2000: 179) adicionam o próprio ciberespaço, que não é um lugar físico mas também não podemos considerar como libertação [a minha tradução da palavra escape; não estou a pensar na palavra como associada a Appadurai, para quem uma mediascape indica a produção e disseminação electrónica de imagens pelos media]. Para Bolter e Grusin, o ciberespaço é um centro comercial do éter.


Observação suplementar 1: Bolter e Grusin apontam o livro de Philip Steadman (Vermeer's Camera, livro de 2001), que nos informa que Jan Vermmer, nomeadamente em Lição de Música, empregou a câmara escura para obter mais pormenores dos objectos ou pessoas que pintava. Um leitor atento do blogue chamou-me a atenção para o livro de David Hockney (Secret Knowledge. Rediscovering the Lost Techniques of the Old Masters, 2001, Londres, Thames & Hudson) [imagem retirada do sítio Art Knowledge News, a partir de fotografia de Jean-Pierre Gonçalves]. Escreveu esse leitor: "O próprio Hockney testou as técnicas. Ele defende que, a partir de 1430, os mestres da pintura usaram instrumentos ópticos (lentes, espelhos ou ambos) para criar projecções. No mesmo ano de 2001, realizou-se na NY University uma reunião de especialistas para debater a tese de Hockney, que trabalhou com um cientista óptico, Charles Falco. O livro é magnífico. A tese muito atraente, não só pela pesquisa como pelo facto de ele ser pintor (e que pintor!) e ter testado as técnicas".

Observação suplementar 2: relativamente às tecnologias, eu não sou eufórico ou optimista (promessas tipo - a internet traz conhecimentos novos, torna obsoletos todos os media anteriores, os jovens aprendem rapidamente e apropriam-se dela). Igualmente, não sou disfórico ou pessimista (ameaças tipo - uma nova tecnologia traz consigo desregulação, males, disfuncionalidades, vícios). Já o escrevi em 1998, num livro chamado Os novos media e o espaço público. Por isso, uso a internet mas não acredito apenas nas suas potencialidades harmoniosas (há defeitos, como a abundância de informação gerar bulimia e incapacidade de discernir o útil). A internet - e a digitalização - são, em primeiro lugar, tecnologias. Depois, são usadas por pessoas, cujo emprego é múltiplo. Memória, pesquisa, palimpsesto - eis algumas palavras que nos levam a discorrer sobre a internet, mas igualmente sobre os outros media. Logo, e como conclusão da leitura que faço do conceito de remediação em Bolter e Grusin, retiro que a internet não é "tudo ou nada" mas apenas relação com os outros media. Ou seja, a internet não provoca o esquecimento dos outros media ou os torna velhos próprios para a sucata.



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