Coisas e Coisas
Quem é morto sempre aparece
Seu Nonô tinha 92 anos, cinco filhos, 11 netos e um fígado maltratado pela bebida. Desde que perdeu a mulher, há quase duas décadas, ganhou dois vícios: a cachaça e a leitura do obituário do jornal. Lia todo dia, religiosamente. Gostava de estar por dentro das novidades. Quem empacotou dessa vez? Algum conhecido? Pela imprensa, soube da morte de amigos distantes, amores platônicos. Ficava triste, chorava, mas suspirava. “Antes eles do que eu”.
O velhinho levantava cedo para pegar o jornal. Nem via a manchete de capa. Seguia diretamente para a seção dos mortos. Conferia todos os nomes, um por um, de homens e mulheres, de todas as idades. “Coitado, esse foi cedo, tinha só 21 anos”, lamentou certa vez. Outros, privilegiados, viviam quase um século. Por que tamanha injustiça? Ele mesmo admitia que estava no lucro. Já passava dos 90, apesar de sua queda pelo álcool.
Nonô sempre imaginou como seria o seu obituário. Escreveu o texto e orientou a família sobre a maneira como queria ver o anúncio fúnebre no jornal. Tinha de ser em letras garrafais, em negrito, para que todos os vivos soubessem de sua partida. “Aposentado não enxerga essa letrinha de merda que publicam por aí”, dizia.
Numa manhã, Nonô pegou o jornal e não encontrou a tal seção dos mortos. Teve uma sensação estranha. Em quase 20 anos, isso nunca tinha acontecido. Pegou o telefone e ligou para a redação. A voz estava embargada. Ficou sabendo, então, que o velhinho que fazia o obituário tinha morrido na tarde anterior. Desligou o telefone e foi para o quarto dormir. Desejava acordar só na manhã seguinte. Naquele dia, nem bebeu sua cachaça.
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