Coisas e Coisas
O CINEMA SEGUNDO JOÃO MARIA MENDES
Culturas Narrativas Dominantes. O Caso do Cinema é o novo livro de João Maria Mendes, em edição da Universidade Autónoma de Lisboa, escola onde o autor ensina. O texto segue-se à obra monumental publicada em 2001 pela MinervaCoimbra,
Por Quê Tantas Histórias - o Lugar do Ficcional na Aventura Humana, que versa igualmente o cinema.
Mendes vê uma dupla face no cinema: produtor massivo de conteúdos para as indústrias culturais, actividade de arte e ensaio; paradigma desconstrutivo europeu e paradigma reconstrutivo californiano; cultura narrativa dominada e cultura narrativa dominante; organização da intriga e do enredo ou
plot e forma de argumento ou
script. Mas dedica maior atenção ao cinema narrativo, à sua auto-reflexividade e à rede de relações com outras
technês artísticas como a literatura e o teatro. Parte da distinção platónica da
diegesis e da
mimesis e (quase que) chega a Mikhail Bakhtin, que nas décadas de 1930 e 1940 estudou a novela e sustentou a sua polifonia e cacofonia, com diversos registos discursivos e montagem de vozes, e que se pode aplicar ao cinema.
O livro está dividido em oito partes e estruturado em 79 textos, dando uma ideia de fragmento, de aleatório, de desconstrução. Cinema "europeu" e "americano" (as aspas significam uma certa apropriação de territórios pelo autor), referências constantes aos textos clássicos dos gregos (literatura, filosofia, arte), revolução dos modernos e dos contemporâneos (vanguardas, hipertexto, intermedialidade), estudos de caso (os filmes
Matrix, por exemplo) e cinema de arte e de autor são alguns dos pontos específicos deste trabalho de João Maria Mendes.
Fico no ponto 36 ("Arquétipos" e indústrias culturais, pp. 84-88). Mendes convoca os seguintes autores para além dos inevitáveis Theodor Adorno e Max Horkheimer: Roland Barthes, Jean Baudrillard, Edgar Morin, Francis Balle, Léo Bogart, Herbert Marcuse, Guy Debord. Critica nomeadamente este último, ao considerar que as suas posições são conservadoras (preferência por uma cultura erudita e aristocrática e por ignorar a diversidade e qualidade de conteúdos). Mas já não refere David Hesmondhalgh, Justin O'Connor, Enrique Bustamante, Ramon Zallo, nem sequer Patrice Flichy ou Bernard Miège, o que ilustra um pensamento centrado na França pós-estruturalista de Deleuze mas pré-1990. Uma categoria curiosa, e que João Maria Mendes encontra em Bogart, é a distinção entre indústrias pesadas e indústrias culturais (ligeiras ou ultra-ligeiras), casos do cinema, da televisão, da rádio e da imprensa, na perspectiva dos instrumentos produtivos e das mercadorias produzidas (p. 85).
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