Coisas e Coisas
NOTAS PARA UMA AULA DE TEORIA DA COMUNICAÇÃO (7)
[o anterior texto da série foi escrito a 12 de Março]
Para John Hartley (Comunicação, Estudos Culturais e Media, 2004: 110), os cultural studies ingleses combinam estruturalismo, marxismo e feminismo em termos intelectuais e estudos literários, sociológicos e antropológicos quanto a domínio disciplinar. Continua Hartley: foram conduzidos diálogos com feministas (dada atenção a mulheres ignoradas nas subculturas), sociólogos (problemas de método e generalização), teóricos psicanalíticos (identidade e subjectividade), antropológicos (método etnográfico), escritores pós-coloniais (multiculturalismo), foucaultianos (debates sobre o poder), políticos (capacidade dos estudos culturais intervirem na formação de políticas) e activistas culturais (intervenção cultural).
Na sua monografia sobre o tema, Armand Mattelart e Érik Neveu (Introdução aos cultural studies, 2006: 35) chamam a atenção para as subculturas juvenis, objecto de muitas monografias desde 1970: bikers, hippies, mods, punks, rastas, rockers, ruddies, skinheads, teddy boys. No mínimo, são estilos de moda e de penteados; no máximo, são estilos de vida (e de expressão cultural, como no caso da música), muitos deles contemporâneos entre si, remetendo para diversas modalidades identitárias: continuidade, ruptura, revivalismo ou reinvenção.
Um dos autores mais significativos foi Dick Hebdige, que trabalhou as subculturas juvenis de Birmingham, relacionando subculturas e classes sociais no pós-II Guerra Mundial, através do diálogo entre a juventude negra (rasta) e branca, como os teddy, mods e punks (Subcultura. El significado del estilo, 1979/2002). Tendo como arquitectura teórica o pensamento de autores como Althusser, Gramsci, Barthes e Jean Genet, Hebdige vê a subcultura do ponto de vista simbólico dentro da cultura industrial tardia.
Veja-se o que ele pensa sobre o reggae e o movimento rasta (Hebdige, 2002: 49-62), inspirado na experiência específica dos negros da Jamaica e da Grã-Bretanha, que possuíam uma cultura oral local e uma apropriação da Bíblia, com elementos pentecostais, a posse da Palavra. O reggae dirige-se a uma comunidade em trânsito (movimento rastafari, o tema do regresso a África), reflexo inverso da sequência histórica das migrações – África-Jamaica-Grã-Bretanha. É a ideia de restituição à África deportada, ao continente em deriva. A África tornou-se um continente mental ilimitado no extremo oposto ao da escravatura. Os rastafaris acreditariam que a ida de Hailé Selassié para o trono da Etiópia em 1930 foi o cumprimento das profecias bíblicas e seculares sobre a iminente queda da Babilónia (as potências coloniais brancas) e a libertação das raças negras.Em geral, a primeira geração de imigrantes das Antilhas tinha espaço cultural em comum com os vizinhos brancos da classe operária, o que eliminava possíveis antagonismos abertos. Mas as crianças negras nascidas e educadas na Grã-Bretanha sentiam-se menos inclinadas que os seus pais a aceitar o estatuto inferior e a estreiteza de opções. O reggae cristalizou-se noutra cultura, noutro conjunto de valores e suas definições.
Já o núcleo de estilo teddy boy encontrou-se nas novas cafetarias britânicas, sonhando com a América, um continente imaginário de westerns e gangsters, luxo, glamour e automóveis (Hebdige, 2002: 72-75). O desterro fantasioso do teddy boy era-o porque estava excluído e afastado da classe trabalhadora respeitável, condenado praticamente a uma vida de trabalho não qualificado. Os teds viram-se envolvidos em ataques injustificados contra a segunda geração de negros das Antilhas e protagonizaram distúrbios nas ruas inglesas em 1958.Por seu lado, a relação com os beatniks não foi pacífica. Se o beatnik cresceu numa cultura instruida, interessando-se pela vanguarda (pintura abstracta, poesia, existencialismo francês) e adoptando um ar cosmopolita de tolerência boémia, o ted era proletário e algo xenófobo. Conquanto existisse alguma proximidade, os mods distinguiam-se dos beatniks. No princípio dos anos 1960, os mods foram os primeiros numa larga lista de culturas juvenis que cresceram perto dos jovens das Antilhas (Hebdige, 2002: 76-77). O mod era o típico dandi da classe baixa, obcecado pelos mais pequenos detalhes de vestuário. Ao contrário dos teddy boys, que se faziam notar pela insolência, os mods eram de aspecto mais subtil e contido: usavam roupas aparentemente conservadora e de cores respeitáveis. Usavam cabelo curto e limpo, com a ajuda de laca, ao contrário da brilhantina dos rockers viris.
Dois outros grupos, mais radicais são identificados no mesmo estudo de Hebdige( 2002: 80-93): skinhead e punk. Os skinheads surgiram em finais dos anos 1960, proletários mas igualmente puritanos e chauvinistas, vestindo com um visual de delinquente – cabeça rapada, roupa negra, cintos, correias -, enquanto o punk se tornava o porta-voz dos jovens brancos do lumpen- proletariado, usando roupa suja e indecorosas blusas transparentes e correntes e com uma linguagem agreste. A retórica do punk, a sua fixação com a classe e a distinção, pareciam desenhadas para debilitar o intelectualismo da geração anterior dos músicos de rock. A identidade étnica branca centrava-se, em modo iconoclasta, nas concepções tradicionais do britânico (a Rainha, a bandeira nacional, como a banda Sex Pistols em God save the Queen). Mas havia uma diferença – o reggae pretendia uma inalcançável e imaginária África, os punks viviam ligados a uma Grã-Bretanha sem expectativas de futuro.
Claro que Hebdige subestimaria o peso da cultura comercial na apropriação. O punk, para além da origem proletária, como diz esse autor, foi uma mistura de estratégia cultural vanguardista, marketing e transgressão da classe trabalhadora perante a restrição de consumo sentida pelos jovens, denotando a ideia de grupos de produtores de significados e de fãs (fanáticos).Mais tarde, quando os cultural studies se transferiram para outros espaços geográficos e académicos, como a Open University de Londres, novas subculturas e estilos de vida e de música eram estudadas. Por exemplo, Keith Negus abordaria o rap ou hip-hop, os bens culturais ou simbólicos por estes produzidos e as estruturas organizacionais onde eles eram produzidos, numa lógica de produção e consumo associado ao lazer (ver David Hesmondhalgh, Media organisations and media texts: production, autonomy and power, 2006: 73).
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[a partir de: Armand Mattelart e Érik Neveu (1996). Les cultural studies. Réseaux, nº 80]
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