Coisas e Coisas
SOBRE OS CULTURAL STUDIES
Os franceses Armand Mattelart e Érik Neveu têm escrito sobre o movimento dos
cultural studies, de origem inglesa.
A primeira empresa sobre a matéria que eu conheço deles foi publicada na prestigiada revista
Réseaux, em Novembro-Dezembro de 1966, com a elaboração de um bem fundamentado dossier, aliás indicado na capa. São quase 40 páginas de análise, assinada pelos dois professores, a que se seguem outros textos escritos por Phil Cohen, Dick Hebdige, David Chaney e Raymond Williams (que polarizariam algumas das ideias principais dos estudos culturais) e Brigitte Le Grignou.
Agora, em edição francesa saída o ano passado e prontamente traduzida para o castelhano (2004), os dois autores alargam o estudo desta importante corrente de investigação inglesa mas que se estendeu pelo mundo, caso dos Estados Unidos, Austrália e Brasil (e deste para Portugal, através de Isabel Ferin). É sobre este último texto de Mattelart e Neveu que basearei parte substancial da minha aula de hoje de
Públicos e Audiências, na Universidade Católica Portuguesa, a partir das 8:30.
Um centro de investigação em Birmingham
Os trabalhos dos fundadores dos
cultural studies tinham em vista estudar o impacto das operações de renovação urbana do East End, o nascimento das novas cidades e os efeitos desestruturantes sobre a sociabilidade popular, com a degradação de espaços de convívio – ruas, praças, jardins, pubs – e a alteração da ecologia das relações de vizinhança, parentesco e geração.
Surge um segundo objectivo, o das relações entre gerações, as formas de identidade, as subculturas específicas, com estudos sobre a crise política e económica nos anos de governo de Thatcher e da desindustrialização massiva dos anos 1980. O pânico moral provocado pelas lutas entre
mods e
rockers levou ao estudo da juventude e da autoridade, em Cohen (1972). Por seu lado, Hebdige analisou o quotidiano dos
punks e dos
mods (1979) e o valor simbólico atribuído à
scooter italiana (1988), enquanto Corrigan descreve a ociosidade dos adolescentes que permanecem dentro da cidade sem terem nada para fazer (1993). Resumindo: o interesse dado às práticas culturais levou os investigadores a ver a diversidade dos produtos culturais consumidos pelas classes populares.
Birmingham será um dos primeiros centros a atrair a atenção das ciências sociais sobre áreas como a publicidade e a música rock. Mas serão os media audiovisuais e os seus programas de informação e entretenimento os que merecem mais estudo. O destaque vai para o texto de Hall (
codificação e
descodificação, escrito em 1973, e a que voltarei amanhã), em que o funcionamento de um meio não se limita à transmissão mecânica (emissor e receptor) mas dá forma ao material discursivo (discurso, imagens, relato). Aqui, intervêm dados técnicos, condições de produção e modelos cognitivos. A noção de descodificação indica que os receptores têm um estatuto social, uma cultura. Escutar um mesmo programa não quer dizer ter uma interpretação única.
Os
cultural studies são o exemplo de uma escola fecunda, porque: 1) tornaram a cultura um terreno de acção e erudição, 2) combinaram investigação e compromisso, 3) articularam disciplinas distintas como a análise literária, a etnografia e a sociologia do desvio.
Notam-se, porém, algumas debilidades nesta corrente. Por exemplo, estão pouco familiarizados com a sociologia, incluindo a da cultura, e a economia. Não vêem a criação cultural como um espaço de concorrência e interdependência entre produtores, em que é fundamental a noção de
campo (de Bourdieu). Por outro lado, o aparecimento da revista
Media, Culture & Society, lançado por investigadores de Leicester e Londres, defenderá o estudo da economia (política), por oposição a Birmingham.
loading...
-
A Morte De Stuart Hall
Eu não conhecia pessoalmente Stuart Hall nem nunca falei com ele, mas foi dos autores que mais me acompanhou nesta última década. Todos os anos eu falava aos meus alunos da escola dos estudos culturais (cultural studies) e da importância daquele jamaicano...
-
Notas Para Uma Aula De Teoria Da ComunicaÇÃo (8)
A pesquisa etnográfica desenvolveu-se tendo em atenção os benefícios da participação individual do investigador, que lida com problemas do estudo de culturas alienígenas. Desde há muito que o trabalho etnográfico se tornou uma das ferramentas...
-
Estudo Das AudiÊncias Segundo Alasuutari
Pertti Alasuutari (1999) fala em três gerações de estudos de recepção (audiência) e etnografias de audiência. Refere igualmente a riqueza da investigação nesta área [imagem do autor retirada do sítio da Universidade de Tampere, na Finlândia]....
-
CULTURAL STUDIES – II [continuação de entrada editada ontem, baseada no meu texto “Indústria cultural, tecnologias e consumos”. In Carlos Leone (org.) (2000) Rumo ao cibermundo? Oeiras: Celta] Em livro por si organizado, MacKay (1997) apresenta-nos...
-
JORNALISMO E CULTURA [o texto seguinte, assinado pelo autor, apareceu originalmente na revista JJ – Jornalismo e Jornalistas, nº 13, de Janeiro/Março 2003] Este não é propriamente um livro sobre jornalismo, mas abrange a grande área de intersecção...
Coisas e Coisas