MARTIN ALLOR (1996) SOBRE AUDIÊNCIAS
Coisas e Coisas

MARTIN ALLOR (1996) SOBRE AUDIÊNCIAS



Desde meados dos anos de 1980 que, aos estudos dos media, regressou o tema das audiências. Tem-se como audiência uma categoria analítica fixa que é objecto de conhecimento e intervenção. Do mesmo modo que outros intelectuais ou grupos, como publicitários, especialistas de sondagens, programadores de televisão, reguladores, os investigadores dos media olham as audiências com inusitada atenção.

Martin Allor (1996) argumenta contra a utilidade de audiência enquanto conceito abstracto de uma totalidade. E segue Bourdieu, com a ideia de pares antagónicos ou antinómicos: teoria/prática, micro/macro, agência/estrutura, sujeito/objecto, materialismo/idealismo, qualitativo/quantitativo, teoria/método. A investigação está entre a definição de audiência como passiva e activa e a de audiência como parte de um público ou agente social.

Os dois conjuntos de oposições operam em níveis diferentes de abstracção. O primeiro faz interpretações analíticas das práticas individuais; o segundo especifica o tipo de ser social com que a audiência se relaciona. Allor chama a atenção para a instabilidade do conceito audiência, pois ele implica um complexo campo semântico/discursivo (e até contraditório). Designa um conjunto de níveis: co-presença de sujeitos numa situação de recepção, relação social activa da interpretação colectiva, mercado de um bem cultural específico, construção imaginária dos criadores culturais, público de um género particular, totalidade dos potenciais receptores de um dado meio. Além disso, a audiência tem ligações discursivas a outros termos do século XIX que designavam colectivos: massa, multidão, popular, público. Hoje, associar-se-ia a: interface do utilizador, estilos de vida no marketing, perfis na pesquisa do audiovisual. A polissemia relativa de audiência traduz-se nos pares antagónicos de activo/passivo e de espectador individual/membro de um público.

Allor evidencia dois de investigação: 1) predomínio da recepção do audiovisual, a televisão em particular, 2) epistemologia da descodificação leitura/significado como modelo dominante no processo de recepção. A epistemologia da leitura exclui outros aspectos da prática social relacionada com os media e os indivíduos. As relações semióticas implicam construir um texto e (re)construir o texto do leitor/espectador.

Talvez a mais importante tendência tenha sido a da estratégia etnográfica. Ao focar uma prática contextualizada, a investigação etnográfica opera a complexidade nas relações entre agentes e mediação cultural. As metodologias etnográficas (entrevista, focus group, observação participante) utilizam dados de âmbito limitado, mas referem-se a modelos globais de audiência.

Recentemente, avançou-se para um terceiro modelo, assente em práticas de consumo de bens e tecnologias domésticcas. Os bens culturais e as tecnologias domésticas são enquadrados como objectos problemáticos a tratar nos inquéritos. Projectos de investigação liderados por Roger Silverstone (já falecido) e David Morley sobre as relações entre tecnologia doméstica, estruturas familiares e reprodução do nacional são elementos importantes. Neste tipo de trabalhos surgem noções de economia moral do lar e consumo (doméstico e familiar), mas não tomados como valores universais.

Leitura: Martin Allor (1996). "The politics of producing audiences". In James Hay, Lawrence Grossberg e Ellen Wartella The audience and its landscape. Oxford: Westview Press, pp. 209-218



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