Coisas e Coisas
PÚBLICOS DE CINEMA
Em 19 de Junho de 2006, escrevi sobre o livro O cinema português e os seus públicos, coordenado por Manuel José Damásio e editado pela Universidade Lusófona. Hoje, retomo a sua análise, assente, como especifica o título, no cinema português - incluindo saber porque não se gosta habitualmente de cinema português. Embora procurasse integrar toda a produção cinematográfica exibida em Portugal – sala de cinema, televisão, vídeo, cabo, internet -, o estudo acabou por incidir no cinema consumido em sala. Usaram-se duas metodologias:
1) Estudo descritivo quantitativo, feito a partir de diversas variáveis – inquérito. Este incidiu em quatro áreas: recolha de dados demográficos, hábitos de visionamento, questionário de satisfação face ao cinema português, sugestões motivacionais. Recolheram-se 1878 questionários.
2) Estudo exploratório qualitativo, que identificou áreas de intervenção para transformar as percepções e atitudes detectadas no estudo quantitativo – focus group ou grupo de discussão. Realizaram-se quatro grupos de discussão, três em Lisboa e um no Porto, num total de 26 participantes (12 homens, 14 mulheres). Esta metodologia procurou recolher a opinião do público espectador, mas também agentes ligados directamente ao cinema e críticos e estudiosos da área (p. 32).
Para Manuel José Damásio, coordenador do texto, as análises quantitativas estão exclusivamente preocupadas em produzir um mapa abstracto que nos permita delimitar a composição (demográfica, geográfica e psicográfica) da massa de indivíduos que constitui a audiência e identificar os seus comportamentos. Se a análise quantitativa (rating) se preocupa com a medição de audiências, a análise sócio-cultural – qualitativa – tem como objectivo o significado cultural que as actividades dos grupos possuem a curto, médio e longo prazo. A análise quantitativa tem a exposição como factor significativo para a compreensão da audiência; os modelos sócio-culturais preocupam-se com a análise dos conteúdos, influências pessoais, usos e gratificações. Estamos no domínio ainda da teoria dos efeitos limitados, de Lazarsfeld, o que revela algumas deficiências na evolução conceptual, e me leva a distinguir texto e inquérito dentro do livro. Nada sobre teorias da recepção (Stuart Hall) ou recepção cultural (Pierre Bourdieu). Comparado com a análise de Esquenazi (2006), os resultados da análise de Damásio são mais antigos. Isto apesar de, no início do relatório do estudo (p. 31), referir que procurou recolher informações sobre atitudes e crenças – satisfação, percepção, motivação, interesses – e comportamentos – hábitos, práticas.
O título do estudo comporta a palavra público, mas Manuel José Damásio aposta nas audiências (p. 25). Para ele, audiência é a soma complexa de um conjunto de interesses individuais e de acções e sistemas de condições que emergem para assegurar um processo de mediatização tecnológica de acontecimentos e volumes de informação. A meu ver, o enfoque central da definição é a mediatização tecnológica, conquanto não faça referência directa a televisão, rádios, jornais ou internet. Ou seja, para o autor, a audiência é uma espécie de ecrã face às tecnologias, tem condições ou não para receber acontecimentos e volumes de informação. Nesta definição inicial, nada é adiantado sobre os modos de recepção, a cultura, as variáveis sociográficas como idade ou habilitações literárias.
Assim, as estratégias do estudo das audiências envolvem, indo do particular para o mais geral (p. 25): 1) participante individual na audiência, 2) actividade dos participantes no evento enquanto parte da audiência, 3) espaço e tempo do evento, 4) relações de poder que estruturam o evento, 5) informação mediatizada com que os participantes interagem. Manuel José Damásio, depois, elenca os aspectos básicos de relacionamento entre uma audiência e um evento mediático: 1) variáveis demográficas, 2) volume de exposição, 3) intervalo espácio-temporal de exposição, 4) localização geográfica da audiência, e 5) identificação do conteúdo informativo.
Estas definições conduzem a um determinado desenho do inquérito – e às suas insuficiências. Por exemplo, os quadros incluídos no livro são resultado directo, sem cruzamento de variáveis, como fazem os investigadores do Observatório de Actividades Culturais. Além disso, os quadros não têm números, o que dificulta qualquer cruzamento de uns com outros. Claro que se deve realçar a importância de inquérito (pp. 84-87) e do focus group (pp. 88-89), até porque não há outros estudos sobre o tema.
Dos grupos de discussão, ver resultados (pp. 74-79), que incluem: 1) razões porque vê cinema e não vê cinema português, 2) falta de promoção de filmes, 3) importância do aumento da produção, 4) financiamento (a nível universitário, por exemplo), 5) making of, com crítica implícita ao cinema de autor, 6) narrativas, e 7) novos públicos.
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