Francês e filogenia linguística
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Francês e filogenia linguística


Já faz algum tempo que gostaria de vir aqui falar sobre a língua francesa. Há cerca de (il y a, depuis) dois meses comecei a estudar e dentro de (dans) menos um mês estou indo embora mais uma vez para a Europa. Angústias à parte, estou achando extremamente interessante estudar uma língua de raízes latinas, mas que é tão diferente da nossa. Gramaticalmente falando, o francês e o português são muito próximos. Percebe-se a utilização de regras bastante próximas para a construção dos tempos verbais, por exemplo. Sem dúvida as línguas são oriundas mesmo de uma raiz lingüística comum. Há diferenças marcantes, entretanto. Particularmente, tenho dificuldades na utilização de algo que é conhecido como o "partitivo" e que utiliza-se quando nos referimos a quantidades precisas ou imprecisas de alguma coisa. Não se pode comer macarrão em francês, temos que comer "du" macarrão. Come-se um pouco, não come-se tudo. Há de se saber quando se fala genericamente, e quando se fala sobre um pouco. Ainda não está muito claro na minha cabeça. Além disso, a terceira pessoa do singular tem também -- e formalmente -- além do ele e ela, uma outra pessoa: a gente. Conjuga-se verbos com "a gente". Não que não façamos isso no português, mas no francês o "a gente" (on) é uma pessoa gramatical.

Tenho bastante interesse em realizar trabalhos futuros com filogenia de línguas e identificar como as palavras surgiram e foram se modificando ao longo da evolução das línguas no tempo. Embora gramaticalmente o português e o francês sejam bastante próximos, sintaticamente falando, o francês divide bastante palavras similares com o inglês. É claro que as línguas se auto-influenciam ao longo de sua evolução e a influência mútua do francês no inglês -- assim como do inglês no francês -- é clara. Várias palavras em francês têm exatamente a mesma grafia de palavras semanticamente idênticas do inglês e a ponte entre as línguas latinas e anglo-saxãs me parece (sem um estudo aprofundado) ter sido feita justamente entre francês e inglês. Há também um argumento cultural para se afirmar isso. França e Inglaterra são as mais desenvolvidas nações européias falantes de uma língua latina e anglo-saxã há centenas de anos e a proximidade entre os países permitiu um extenso intercâmbio cultural e humano entre as duas nações. Não sei muito bem avaliar a proximidade do alemão com relação ao francês e talvez, devido a uma maior dissemelhança entre os troncos lingüísticos germânico e latino, a influência recíproca talvez tenha sido realmente maior entre o francês e o inglês. Preciso estudar mais a língua alemã antes de tentar entender sua influência -- de ida e volta -- no francês.

Francês e português parecem hoje as duas línguas de origem latina mais diferentes entre si e isso provavelmente se deve ao filogeografia e à história evolutiva de formação e disseminação da língua no continente europeu. É preciso avaliar com maior detalhe também uma afirmação que já ouvi (mas que pode ser falsa) de que o português se assemelha mais ao latim tradicional do que o francês. Teoricamente o latim era a língua dos romanos, tendo portando expandido a partir da Itália. Se pensarmos filogeograficamente na dispersão da língua no continente europeu, seria de se esperar que o italiano fosse hoje mais próximo do latim. Se formos andando ao longo do continente europeu, dirigindo-nos para oeste, seria de se esperar que o francês guardasse então mais semelhanças com o latim, seguido pelo espanhol e então pelo português, a língua latina mais distante geograficamente do polo inicial de desenvolvimento do latim.

De qualquer forma, acredito que o estudo da evolução e dispersão das línguas é algo um tanto quanto interessante e tenho certamente interesses acadêmicos em realizar filogenia memética de línguas, avaliando como as palavras vão se alterando com relação a três características básicas: fonética, sintática e semântica. Como os sons das palavras mudam? Como a grafia delas se altera? Como o sentido do que significam se modifica? Há muito o que fazer e acredito que modelos evolutivos biológicos se ajustam perfeitamente ao problema. É preciso conseguir modelar de forma adequada o problema de forma a tentarmos retirar ruído da informação, mas a evolução linguísta é um tema altamente interessante com que poderia vir a trabalhar dentro de algum tempo. Deseje-me boa sorte.



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