Coisas e Coisas
Farejadores
Desde que minha mulher me abandonou, sinto um grande vazio interior. Ainda é muito difícil acordar pela manhã, me virar na cama, olhar para o lado e não ver o Nestor, meu fiel cachorro, deitado em seu tapete, na porta do quarto. A ingrata o levou. Sinto falta de nossos passeios matutinos. Ao caminhar pelas ruas, eu descobria um novo bairro, bem diferente daquele conhecido pela janela do carro, sempre com pressa.
Ao lado de Nestor, notei construções antes despercebidas, fui apresentado aos buracos das calçadas e conheci como é a vida às 7 horas da manhã. Velhinhas indo à padaria, o vaivém de faxineiras mal-humoradas, a molecada com cara de sono a caminho da escola, a vizinha gostosa saindo de carro para trabalhar. Adorava sentir o ar poluído bater em meu rosto, ouvir o latido da cachorrada da redondeza, ver os jornais jogados no chão à espera de seus donos.
Nestor também se entretinha em um novo mundo. Parecia um jornalista ávido por novidades. Observador, vivia atento a qualquer movimento de pessoas ou coisas, tal qual um farejador de grandes pautas. Apurava com cuidado os mais diferentes barulhos, checava os cheiros conhecidos, os desconhecidos, para, no final, fazer sua grande obra: um monte de merda. Às vezes, na redação, eu agia como ele, farejando, checando... e escrevendo uma matéria de bosta.
As manhãs não são mais as mesmas sem o Nestor. Sinto falta de sua companhia, das andanças, da vizinha saindo de casa e, principalmente, de nossas descobertas. Confessei meu drama a um amigo, na mesa de um bar. Ele me disse que esse negócio de vazio interior é coisa de cara meio esquisitão. Infelizmente, não tinha como me ajudar.
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