Coisas e Coisas
Estudos Buarquianos
Chico Buarque é mesmo impressionante! Quando mais escuto, conheço e estudo sua obra, mais me fascino.
Desta vez, vale a pena contar o que me fez pensar isso. Interessado que estou em fazer letras para músicas, andei vasculhando sua obra, observando, prestando bastante atenção e anotando a forma como ele constrói versos e estrofes para uma canção.
Estava principalmente curioso sobre rimas e métricas para compor os versos de uma letra.
Percebe-se, por exemplo, que a música a seguir, "Até o fim", tem 6 versos por estrofe. O primeiro rima com o terceiro e a rima varia de estrofe para estrofe (na primeira é "ado", na seunda "ola", na terceira "esso"...). Já os versos pares rimam entre si em todas as estrofes, sempre com terminando sempre com o sufixo "im", sendo que o sexto verso é o mesmo em todas as estrofes "
Mas vou até o fim". O quinto verso de cada estrofe tem uma rima específica qualquer em "ou", independente da estrofe. Portanto, percebe-se além das rimas
intra-estrofe, rimas
inter-estrofe que compõe a música de uma maneira elegante e bela, como num poema.
Pra mim, é interessantíssimo estudar a obra do artista e perceber essa profunda organização estilística.
Até o fimChico Buarque/1978
Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim
Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, minha mula empacou
Mas vou até o fim
Não tem cigarro, acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim?
Eu já nem lembro pronde mesmo que vou
Mas vou até o fim
Como já disse era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu tava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
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Mais impressionante ainda é a música abaixo, "Teresinha", que segundo o próprio Chico, foi feita tendo como pano de fundo a música popular "Teresinha de Jesus". A Teresinha de Chico encontra três possíveis maridos e deve escolhar qual deseja para si. A música divide-se em
três partes, cada uma relacionada a um possível pretendente para Teresinha.
Cada parte da música tem três estrofes, duas falando do pretendente e uma da reação de Teresinha. Nas duas primeiras estrofes das duas primeiras partes,
nem todos os versos rimam, rima apenas o segundo com o quarto verso, sendo que o primeiro e o terceiro ficam
livres de rimas. A última estrofe destas duas partes, começando com "Me encontrou tão desarmada", mostra a reação de Teresinha ao pretendente e rima na forma 1-3, 2-4.
Já a última parte, representada pelo amante que Teresinha quis para si, é uma
rima mais rica, representando talvez uma maior finesse do próprio rapaz, sendo este um indivíduo de mais finos tratos. Nesta parte os versos da primeira e segunda estrofes
rimam inteiramente, sendo o primeiro um verso 1-4, 2-3 e o segundo, 1-3, 2-4.
TeresinhaChico Buarque/1977-1978
Para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque
PARTE 1
O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse não
PARTE 2
O segundo me chegou
Como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta
Me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada
Que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse não
PARTE 3
O terceiro me chegou
Como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada
Também nada perguntou
Mal sei como ele se chama
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração
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Sensacional!
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