A metamorfose
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A metamorfose


Quando o jovem advogado Gregório despertou certa manhã de um sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de jornalista.

A descoberta de sua nova condição deu-se lentamente. A princípio, notou que seus cabelos estavam longos e desgrenhados. A barba também estava bastante crescida. Coisa estranha. Logo ele que desde muito cedo aprendera a ser zeloso com o visual. Assim que entrou na faculdade de Direito, seu pai, um ilustre juiz, o ensinou a ter vários cuidados com a aparência. Há muito tempo, Gregório era o principal cliente de gel para cabelos da farmácia mais chique do bairro. Agora não passava de um ser asqueroso.

Ao se ver no espelho, percebeu também que tinha grandes olheiras e uma barriga proeminente, barriga de chope, com certeza. Aliás, fedia a álcool e a cigarro. Com aquela silhueta grosseira, não conseguiria vestir seus elegantes ternos italianos. Ao menos agora, como jornalista, sentiu-se desobrigado a vestir qualquer coisa elegante. E sufocante.

Apesar de todas as mudanças físicas, só se deu conta de que era um jornalista mesmo quando viu alguns bloquinhos de anotações sobre a mesinha ao lado de sua cama. Era, sim, a sua caligrafia, apenas mais nervosa e distorcida. Na mesa também havia uma caneta Bic toda fodida (com a tampa mordida), um gravador, uma carteira da Fenaj falsificada e um pen drive com uma logomarca qualquer, do tipo que se ganha em coletivas de imprensa.

Gregório deitou-se na cama novamente, pegou os bloquinhos de anotações e começou a ler as histórias ali escritas. E assim passou dias e mais dias preso no quarto. O grande choque foi mesmo para sua família. Seus pais, um ilustre juiz, como já dito anteriormente, e uma ilustre desembargadora, não aceitavam a metamorfose do filho. Aquele ser barbudo, barrigudo, com olheiras e, principalmente, sem gel nos cabelos lhes causava grande repulsa. Fizeram de tudo para que o primogênito fosse um advogado notável, praticamente o obrigaram, ou melhor, o obrigaram totalmente, e, agora, esta triste mudança.

A única pessoa da família que não o abandonou foi sua irmã. A moça incumbiu-se de alimentar Gregório. Era ela quem levava diariamente ao quarto do irmão suas refeições de jornalista, como porções de calabresa afogada no óleo, coxinhas de galinha e, eventualmente, um filé mignon ao molho madeira. No quarto, Gregório já havia lido e relido todos os seus bloquinhos. Os cabelos e a barba estavam ainda mais longos.

O sofrimento dos pais de Gregório cessou quando eles conseguiram convencer o filho caçula, ou melhor, quando eles obrigaram o filho caçula a estudar Direito. O menino desistiu do sonho de cursar artes cênicas e tornou-se a salvação da família. Alguém tinha de ser o orgulho do papai e da mamãe. Assim, Gregório foi esquecido pelos pais. Um dia, quando a irmã abriu a porta de seu quarto, com uma porção de frango frito com polenta, encontrou Gregório morto na cama, com um livro de Marshall McLuhan aberto sobre o peito. Enquanto isso, o caçula começava a se tornar o mais novo principal cliente de gel para cabelos da farmácia mais chique do bairro.



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