Coisas e Coisas
22) LILA Uma investigação sobre a moral
LILA Uma investigação sobre a moral
Trata-se daqueles livro que passamos a vida sem ler, haja vista não dar qualquer sinal da sua proposta ou conteúdo. No começo parece ser um daqueles romances enfadonhos de uma aventura de barco através do rio Hudson EUA. O Rio Hudson (em inglês: Hudson River) é um rio que corta o estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos, e que ao fim de seu trajeto forma o limite interestadual entre Nova Iorque e Nova Jérsei.
O livro foi escrito pelo filósofo Robert M Pirsig que vendo sua biografia, percebe-se que se espelha no personagem principal, o Capitão Phaedrus.
O livro que tornou Pirsig famoso foi “ZEN A ARTE DE MANUTENÇÃO DE MOTOCICLETAS”, escrito 20 anos antes de LILA.
Tanto nessa obra como em LILA, Pirsig explora o significado e os conceitos de "qualidade" (um termo que ele considera ser indefinível). Pirsig expande sua exploração de qualidade em metafísica, que ele chama de "Metafísica da Qualidade". Como o título indica, uma grande parte da metafísica da qualidade tem a ver com a não-intelectualização, não concetualizar, o Zen como visualização direta do universo.
Ainda que Pirsig afaste o pensamento oriental, argumentando que a razão e a lógica são importantes na busca do entendimento, o autor frisa a importância da intuição abstrata como orientadora da ação humana.
Descendo com seu barco através do Rio Hudson, Phaedrus, ao entrar num bar de uma cidade ribeirinha, conhece Lila Blewitt, uma mulher psicologicamente instável que, embora não esteja mais na flor da idade, continua atraente a ponto de seduzir Phaedrus física e intelectualmente.
Ao navegar com ela para Manhattan, Lila deflagra no narrador uma série de reflexões que culminam na formulação do que ele chama da “metafísica da qualidade”. Aliás, esse termo é uma espécie de mantra na obra. Foi citada aproximadamente umas 100 vezes.
Ousada, original e provocativa a “metafísica da qualidade” fornece uma espécie de moldura para avaliar todas as ações humanas segundo quatro níveis evolutivos – natural, biológico, social e intelectual – que interagem de modo a influir na elaboração dos códigos morais contemporâneos. Sobre esse conceito evolutivo, escrevi alguma coisa neste Blog sob o título “O ABECEDÁRIO DAS GERAÇÕES”.
Enquanto Phaedrus constrói seu sistema filosófico, Lila tem seu destino traçado de forma dramática. O confronto desses dois personagens resulta num enredo singular que combina o fascínio do romance de aventuras com o estímulo intelectual da meditação filosófica.
Trata-se de uma obra prima do pensar sem barreiras. São as idéias francas que estão no primeiro plano e ocupam a maior parte do texto, refletindo a cultura dominante em uma espécie da Raio X secular, a partir do vitorianismo com seus ferros forjados e seu linguajar reprimido, os índios americanos esmagados, as escavações e os antropólogos, as delicias e desastres do sexo, a fome da fama e seus percalços, a filosofologia, chamada pelo autor de “a ciência dos tratados sem fim, são alguns dos muitos veios da cultura que herdamos e detalhadamente analisados por Robert M Pirsig.
Uma dica interessante dada pelo autor como habito de Phaedrus é de anotar idéias, conceitos e objetivos em tiras (ou fichas). Mas o que chama a atenção é uma observação no sentido que: “o objetivo maios das tiras não era mais ajudá-lo a se lembrar das coisas. Era ajudá-lo a esquecer. Parecia contraditório, mas o propósito era o de deixar sua mente vazia...”
Nesse sentido: “Uma biblioteca é uma das ferramentas mais poderosas da civilização precisamente por causa de suas gavetas de fichários.”
Referindo-se a um pensamento do índio americano: “É melhor saber muito e dizer pouco do que saber pouco e dizer muito.”
No que diz respeito a religiosidade “Tinha observado que as tribos que tinham as práticas religiosas mais ferrenhas eram as mais atrasadas”. Nesse sentido reporto a um outro tema que publique neste Blog com o título “DEUS X RELIGIÃO”.
Uma abordagem da obra que me chamou a atenção para um fato interessante. “A personalidade americana é uma mistura de valores indígenas e europeus.”
Dessa forma: “em relação a seus inimigos, não sente qualquer compulsão de piedade, e quanto mais agressivo for, melhor.”
“índio não fala para encher o tempo ... ele quer que você fale do coração ou cale a boca.”
Nesse contexto o autor faz uma observação de que os americanos do Leste são mais Europeus, enquanto os americanos do Oeste (do Velho Oeste), são mais índios. Essa percepção é bastante sentida através do espírito aguerrido do texano (Oeste) em relação ao americano de Montana (Leste), só pra ficar nesses dois exemplos.
Nesse ponto do livro me veio uma espécie de resposta sobre algo que sempre me intrigou. Concordem as pessoas ou não, o povo Inglês destoa com relação aos demais europeus. Quando a regra do mundo era a barbárie, a Inglaterra já admitia alguns fragmentos melhor ajustado em termos de governança. Sempre primaram em ter um parlamento, e os reis ingleses não governavam com o absolutismo das demais monarquias da Europa há dezenas de séculos atrás.
Não foi por outro motivo que as colônias inglesas se desenvolveram muito melhor que as colônias portuguesas, espanholas e até mesmo as francesas que quase não colonizou. É o caso da África do Sul, Austrália, parte do Canadá e Estados Unidos. Costumo dizer que até mesmo a cidade de Londrina/PR é diferenciada pelo fato por ter sido colonizada por ingleses.
Um fato curioso que sempre me chamou a atenção é dos Estados Unidos terem superado e muito seus colonizadores, admitindo desde cedo um regime republicano presidencialista, mas preservando os princípios consuetudinário próprio dos Ingleses.
Acabei dando razão ao autor. Essa mistura da bravura e determinação do índio americano, fundida com a índole inglesa, formatou uma nação fértil para a conquista e prosperidade, e que sabem em cada situação, conforme se apresenta, se optarão pela diplomacia inglesa ou a intolerância indígena.
Que se danem os que não gostam quando afirmo que não fosse a existência desses dois países na face da terra, as conquistas de liberdades (especialmente das minorias) não estariam consolidadas em muitos lugares nem em 10% do que estão hoje. As vezes chego a pensar que os ingleses chegaram no planeta terra de outro planeta, haja vista que a regra consuetudinária de convivência só dá certo lá e nos EUA (por conseqüência). Nem Alemão, nem Japonês, nem Frances, ninguém, consegue viver tão pacificamente sob a égide consuetudinária como os ingleses.
Isso tudo vem de acordo com a assertiva que o autor apresenta, assim como de outros filósofos de que “os padrões de uma cultura não funcionam em conformidade com as leis da física.” Nas palavras de Clyde Kluckhohn (professor de antropologia de Harvard:
“Os valores fornecem a única base para uma compreensão totalmente inteligível da cultura, porque na verdade, a organização de todas as culturas se dá primeiramente em termos de seus valores.”
“a cultura tem que incluir o estudo sistemático e explícito de valores e de sistemas de valores, vistos como fenômenos da Natureza que podem ser observados, descritos e comparados.”
“Quando um eleitor vai às urnas, está fazendo um julgamento de valor.”
“...os valores nada têm de vagos quando se lida com eles em termos de experiência real.”
“A antropologia cultural é uma casa construída sobre areia movediça intelectual ... porque a estrutura dos princípios científicos sobre a qual tenta se assentar é inadequada como base de sustentação.” Necessitando “descobrir um terreno sólido onde tal estrutura pudesse ser erguida.”
Segundo o autor, a metafísica era o que Aristóteles chamava de filosofia primeira. Nesse sentido indaga: “Os objetos que percebemos são reais ou ilusórios? O mundo exterior existe fora da consciência que temos dele? Pode a realidade ser reduzida a uma única substância? Se sim, ela é essencialmente material ou espiritual? O universo é inteligível e ordenado ou incompreensível e caótico?”
Se uma coisa não tem valor, não pode ser distinguida de nenhuma outra coisa, sendo assim, não existe. Se algo que não pode ser classificado como sujeito ou objeto não é real.
Nesse sentido, diante as perguntas acima formuladas, o autor conclui que existem dois tipos de posições: A primeira dos filósofos da ciência, grupo conhecido como positivistas lógicos que sustentam que somente as ciências naturais podem investigar a natureza e que a metafísica é apenas uma coleção de assertivas não comprovadas. A outra corrente é formada pelos místicos.
Segundo o autor, o termo místico na filosofia difere do misticismo ligado ao oculto, sobrenatural, magia, feitiçaria, etc. O termo místico na filosofia está em admitir que muitas coisas da natureza escapa da divisibilidade necessitando de uma linguagem diferente das utilizadas quando se pode estratificar como ocorre com a metafísica. Nesse sentido o autor afirma que a metafísica não uma realidade, mas um “punhado”de opções que podem ser real. “A metafísica é um restaurante onde se oferece um cardápio com trinta mil páginas, mas nenhuma comida.” “no momento em que abrimos a porta para a metafísica podemos dar adeus à compreensão genuína da realidade.”
Por outro lado, “a qualidade é uma experiência direta, independente de abstrações intelectuais e anterior a elas.” “A qualidade é indivisível, indefinível e incognoscível.”
“se a Qualidade ou excelência for vista com a realidade última, então se torna possível existir mais de um conjunto de verdades. Então não se busca a “verdade” absoluta. Ao invés disso, busca-se a explicação intelectual para as coisas que apresentar a mais alta qualidade...”
Que “verdadeiro é o nome do quer que seja que pareça bom no que diz respeito à crença. A verdade é uma espécie de bem” ou satisfação. Sobre isso explica que essa satisfação não necessita ser moral: “O holocausto trouxe satisfação aos nazistas. Para eles aquilo era qualidade. Consideram-no prático.”
Que “todo conhecimento humano vem através dos sentidos ou do que se pensa sobre o que os sentidos fornecem.”
E que “É sempre a outra pessoa que está iludida. Ou nós mesmo no passado. No presente nós mesmos nunca estamos iludidos.”
Diante isso, “a metafísica da qualidade é essencialmente uma contradição em termos, um absurdo lógico.” Compara como sendo uma definição matemática do aleatório.
Nesse sentido, a metafísica da qualidade é passível de experiência, a ponto que: “Qualquer pessoa, de qualquer tendência filosófica que se sente num fogão quente verificará, sem qualquer argumentação intelectual de qualquer natureza, que se encontra numa situação de inegável baixa de qualidade: que o valor de sua condição é negativo. Essa baixa qualidade não é apenas uma abstração metafísica vaga, confusa, cripto-religiosa. É uma experiência.”
Que a arte, a moralidade, a religião e a metafísica não são passíveis de verificação.
Pergunta se a realidade precisa ser algo que somente meia dúzia dos físicos mais ilustres do mundo consegue entender?
Nesse sentido, no tabuleiro de xadrez da dialética científica, o que não se pode definir não se pode discutir. “Tentar criar uma metafísica perfeita é como tentar criar uma estratégia perfeita para o xadrez, que garanta a vitória sempre. Isso não existe. Não importa que posição tomemos numa questão metafísica, alguém sempre começará a fazer perguntas que levarão a novas posições que levarão a mais perguntas, num interminável jogo de xadrez intelectual.”
Sendo assim: “a divisão básica da realidade não é entre sujeito e objeto, mas entre estático e dinâmico.” Por isso é que num primeiro momento, crianças, principiantes e primitivos costumam ser mais ligeiros que adultos, especialistas e cultos. Que em ato contínuo, esses últimos se sobressaem pelo fato de ser a qualidade estática a qualidade da ordem que preserva o nosso mundo, impondo padrões complexos de valores estáticos derivados das experiências primárias.
Nesse sentido: “Toda a vida é uma migração de padrões estáticos de qualidade em direção à qualidade dinâmica”. Nesse aspecto abre vistas a tese evolucionista de Jean Baptiste Lamarck em que: “a vida evolui rumo à perfeição”
Que “o mundo chega a nós numa sucessão interminável de peças de quebra-cabeça” e que ”gostaríamos de acreditar que elas se encaixam umas nas outras de alguma forma, mas na verdade elas nunca se encaixam.”
“Os ornitorrincos vinham botando ovos e amamentando seus filhotes há milhões de anos, antes que chegasse um zoólogo e declarasse isso ilegal.” Essa afirmativa o autor fez para demonstrar que a natureza adora nos pregar determinadas peças e produzir algo que classifiquemos como paradoxo.
Nesse sentido ao tratar da substância o autor compara: “O próximo ornitorrinco a cair é o da substancia. Ninguém jamais viu a substância e ninguém jamais verá. Os dados da física quântica indicam que o que se chama de partículas subatômicas não se enquadra de forma alguma na definição de substancia. As propriedades existem, desparecem, tornam a existir e tornam a desaparecer em pequenos feixes chamados quanta.” ... “Uma vez que os feixes quânticos não são substâncias, e uma vez que é suposição científica corrente que essas partículas subatômicas compõe tudo que existe, segue-se que não existe substância em lugar algum no mundo, e nem nunca existiu. O conceito todo é uma grande ilusão metafísica.”
Que a ciência valoriza os padrões estáticos. Quando surge o não-conformismo, é considerado uma interrupção do normal. A realidade que a ciência explica é aquela realidade que segue mecanismos e programas.
Nesse sentido: “parece claro que não existe um padrão mecanicista em cuja direção a vida se encaminhe, mas alguém já perguntou se a vida se encaminha para longe dos padrões mecanicistas?” Responde dizendo que a evolução é temerariamente oportunista e que quanto mais estáticos e irredutíveis forem os mecanismos, mais a vida trabalha para escapar deles.
Que toda evolução é umbilicalmente ligada ao sofrimento: “Se eliminarmos o sofrimento desse mundo, eliminamos a vida.”
E explica: “A lei da gravidade é talvez o mais implacável padrão estático de ordem no universo. Por outro lado, não há uma única coisa viva que não lute contra essa lei, dia após dia. Quase se poderia definir a vida como uma desobediência organizada à lei da gravidade. Podemos demonstrar que o grau em que um organismo desobedece a essa lei dá a medida do seu grau de evolução. Assim, enquanto um simples protozoário mal consegue rodear seus cílios, as minhocas controlam seu senso de distância e de direção, os pássaros voam e o homem vai até a lua. Os padrões de vida estão evoluindo constantemente em resposta a algo melhor que essas leis naturais têm a oferecer.”
Ao final sentencia: “Sem a qualidade dinâmica o organismo não pode crescer. Sem a qualidade estática o organismo não pode durar. Ambas são necessárias.”
Não há evolução. As espécies que não sofrem não sobrevivem.”
“As vezes os loucos e os contras e os que estão à beira do suicídio são as pessoas mais valiosas de que a sociedade dispõe.”
Num outro capítulo, ao abordar o fenômeno da ânsia das pessoas idolatrarem celebridades e ao mesmo tempo comemorar suas desgraças, o autor assim descreve: “Amam por ser o que gostariam de ser, mas odeiam por ser o que eles não são.”
Diz ainda: - "Se ficar famoso demais, irá direto para o inferno... pois você vê a vida a sua volta mas não pode participar dela...Você se divide em duas pessoas, aquela que os outros pensam que você é e aquela que você realmente é, e isso é o inferno Zen”
“A celebridade está para os padrões sociais como o sexo está para os padrões biológicos... Sem a força da celebridade talvez fosse impossível haver sociedades humanas avançadas e complexas.... As pirâmides foram expedientes das celebridades. Todas as estátuas, os palácios, os mantos e as jóias... as penas nos cocares dos índios...Todos os Ilustríssimo Senhor, os Reverendíssimos, Doutores,... Todas as insígnias e troféus, todas as medalhas, todas as promoções na escada empresarial, todas as indicações para o primeiro escalão, todos os cumprimentos e bajulações nos coquetéis e chás,... Todas as rixas e batalhas por prestigio...Todo sentimento de ultraje diante de ofensas. Toda a cara digna do oriente, são todos símbolos de celebridades, tudo é para reforçar a celebridade. ”
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