Coisas e Coisas
SERÁ QUE F.F. SABE ESCREVER EM PORTUGUÊS?
Por vezes, não entendo o português que me falam. É o exemplo de quando ouço pronunciarem a palavra
habelitado (!) quando se escreve
habilitado, assim mesmo com
dois i-i e não com
e-i. Na escola primária, onde aprendi a ler e a escrever, nunca me ensinaram tal barbaridade. O uso de pronúncias erradas leva a que surjam palavras escritas como d
escriminam no portal www.portugal.gov.pt, na página de referência a cursos de formação de licenciados. Alguns encartados dizem que, em caso de
i em duas sílabas juntas, o primeiro
i assume o som de
e [palavra correcta:
discriminam]. Outra palavra ainda mais característica é d
ev
edida [escreve-se d
iv
idida].
A mesma incompreensão acontece quando leio alguma prosa jornalística. É o caso da crítica de cinema saída hoje no
Expresso (caderno "Actual") sobre o filme
André Valente, de Catarina Ruivo. F.F., o autor da prosa, enreda-se em expressões como "cadáver do Cinema Novo", "malheur do Cinema Novo" (porquê infeliz ou desastre?), "saco de plástico que diz Verdes Anos", "toca à campainha do Cinema Novo", "detector de mentiras", "g.p." (presumo que seja grande plano), "ambiente irrespirável", "está perdido, narrativa e simbolicamente", "tal gato com o rabo de fora", "sorriso proibido".
Da análise ao filme (realização, interpretação), nada. Presumo que se trate de um mero e mesquinho exercício intelectual de vingança sobre uma linha produtiva do cinema português da segunda metade do século passado, a que a realizadora Catarina Ruivo esteja ligada, ainda que apenas afectiva e não geracionalmente. Sobre a compreensão dessa Lisboa cinzenta, o abandono do lar pelo pai, a tentativa de suicídio da mãe ou o quotidiano numa escola de Lisboa (para mim, parece-me quase de um subúrbio da cidade, embora entreveja as árvores do parque de Monsanto) - as razões sociais, culturais e estéticas - nada. Apenas, escreve F.F., se salva o que vem de fora, o emigrante da Rússia.
Talvez porque me pareçam adequadas as interpretações de Rita Durão e do jovem Leonardo Viveiros, não concorde com o que F.F. escreve. À estrela que Francisco Ferreira dá ao filme no quadro publicado pelos críticos do
Expresso eu faria corresponder um zero pelo trabalho do mesmo crítico. E pergunto: não haverá um editor no jornal que ensine o jornalista-crítico a escrever um texto que se compreenda e que leve um espectador a optar pela ida ao cinema ou não de modo consciente? Um crítico enquanto mediador deve desempenhar um papel pedagógico e informativo, acompanhado de um tom explicativo ou interpretativo, claro. Deve escrever para os outros, sem pensar no seu grande umbigo.
Eu não compreendo - nunca compreendi - como nós, portugueses, somos tão críticos com o que fazemos e nos rendemos tão facilmente ao que vem de fora. Talvez porque somos intolerantes perante o sucesso do vizinho do lado e ambicionamos o carro novo, a casa nova ou, mesmo, a namorada nova que ele tem.
loading...
-
O Crítico De Cinema
Com o jornal do dia nas mãos, o jovem cineasta entra no café e senta-se a uma mesa ao fundo. Pega logo o caderno de Cultura. Quer ler a crítica de seu filme que acabou de estrear. O que aquele crítico escreve faz toda a diferença. Pode tanto arruinar...
-
A CRÍTICA AO CINEMA PORTUGUÊS No suplemento "6ª" (Diário de Notícias, de 19 de Maio), João Lopes escreve sobre a crítica ao cinema português. O ponto de partida é que a crítica negativa a um filme português pode afastar o público. Ele entende...
-
SOBRE A GENEROSIDADE DOS CRÍTICOS DE CINEMA Parto do princípio simples que os críticos de cinema são elementos fundamentais na formação (e aconselhamento) dos públicos de cinema. Com frequência, recorro a eles para a decisão da escolha do filme...
-
NOTÍCIAS DO CINEMA Lendo os jornais de hoje, ressaltam as seguintes informações: Encerramento dos cinemas do Freeport de Alcochete (Público). Em página inteira, escreve-se sobre o encerramento das salas de cinema do Freeport, já no próximo mês....
-
NA MINHA CIDADE NÃO ACONTECE NADA Na minha cidade não acontece nada. Lisboa no cinema (anos 20 - cinema novo) é um texto de Tiago Baptista publicado no último número da revista Ler História. Um título tão (pouco) saboroso significa um texto intrigante?...
Coisas e Coisas