Coisas e Coisas
O crítico de cinema
Com o jornal do dia nas mãos, o jovem cineasta entra no café e senta-se a uma mesa ao fundo. Pega logo o caderno de Cultura. Quer ler a crítica de seu filme que acabou de estrear. O que aquele crítico escreve faz toda a diferença. Pode tanto arruinar uma carreira como levar um jovem cineasta como ele à condição de grande revelação do ano.
“É um filme de grandes pretensões, e merecedor de elogios por se tratar de um diretor e também roteirista que está apenas começando sua carreira. Sua ousadia deu muito certo. O resultado é um filme denso, instigante e que não foge de temas polêmicos. Engana-se quem acredita que as cenas de sexo têm apenas o objetivo de chocar. É o sexo metafórico, que busca discutir grandes questões filosóficas de forma crua, por vezes árida, mas também tocante (...) O apreciador do cinema vai logo perceber que a cena em que a protagonista faz sexo com três policiais ao mesmo tempo em uma praça pública não tem nada de machista e humilhante. Pelo contrário. É, na verdade, simbologia sem pudor da libertação feminina, uma forma que o diretor encontrou, com seu olhar subjetivo, de mostrar que a mulher de hoje faz o que lhe dá prazer, sem se preocupar em ser julgada pela sociedade conservadora. Outra cena emblemática é quando a velhinha que vende cachorro-quente na rua pergunta ao garoto de programa que trabalha ali perto se ele toparia ir à sua casa naquela noite, uma bem-sucedida arma do diretor de evidenciar que o ser humano é livre para amar em qualquer idade e sob qualquer circunstância. Corajoso e inquietante, o filme deve projetar o diretor à grande revelação do ano”.O jovem cineasta termina a leitura e dobra o jornal. Sorri, balança a cabeça, sorri de novo. Está naturalmente feliz com a crítica positiva, mas, ao mesmo tempo, surpreso.
Sexo metafórico? Simbologia sem pudor da libertação feminina? Questões filosóficas? Nada a ver o que esse cara escreveu! Viajou total! Eu só fiz um filme de sacanagem, assim, simples, um filme de sacanagem. Não quis discutir porra nenhuma. Mas uma coisa eu não posso negar: esse jornalista escreve bonito pra caralho...
- Amigo, um café, por favor. Puro.
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