Coisas e Coisas


DEZ ANOS DE JORNALISMO DIGITAL EM PORTUGAL

Foram dois dias animados de discussão em torno dos dez anos de jornalismo digital em Portugal, na Universidade do Minho, em organização do Departamento de Ciências da Comunicação. Destaco dois convidados estrangeiros: Rosental Calmon Alves (Universidade do Texas, Austin, Estados Unidos) e Ramón Salaverría (Universidade de Navarra, Espanha).

Rosental Alves fez um discurso pessimista quanto ao jornalismo em papel mas tomou a posição diametralmente oposta quanto ao futuro do jornalismo digital. Os efeitos da internet sobre os media tradicionais são avassaladores, o que o levaria a falar em mediacídio [o suicídio dos media], que acarreta a morte de empresas e questiona o actual estatuto das carreiras dos profissionais dos media.

A revolução do digital será comparável - ou até maior - que a realizada pela criação da imprensa por Gutenberg. Falando da rapidíssima disseminação da Rede, o professor brasileiro com cátedra em Austin descreveu o conjunto de princípios sobre a passagem de um modelo de comunicação para outro (a partir de Fiedler): co-evolução e coexistência, propagação, sobrevivência, oportunidade, atraso na adopção, metamorfose. É a mediamorfose, compreensível pela massa crítica ganha pelo jornalismo online e mensurável em audiência (que supera já a do jornalismo em papel). Para Rosental Alves, o jornalismo do futuro assenta em adaptabilidade, em aprender a aprender, em criatividade e perder os bloqueios face às tecnologias. Mas deixou algumas críticas ao jornalismo digital como o de ser ainda pouco criativo e algo burocrático [que eu não compreendi, dado ter defendido anteriormente a criatividade como eixo do jornalismo do futuro e o pouco tempo de existência do novo modo de fazer comunicação não ser índice de burocracia].

Na sua longa mas brilhante e entusiasmante conferência, o professor Rosental designou a revolução digital como eucêntrica - leio/vejo tudo o que eu quero, na hora que eu quero, onde eu quero e no formato que eu quero. Por isso, a referência às tecnologias do RSS e do Podcasting, onde eu monto a minha página e a sequência de músicas que eu quero. E a alusão aos blogues, que eliminaram a relação unívoca dos media de massa entre emissor e receptor e o privilégio do jornalismo atribuído unicamente aos jornalistas.





A posição de Salaverría

Ramón Salaverría é, apesar da juventude, um académico com carreira já consolidada na Universidade de Navarra. Por isso, não se estranhou o facto de, embora olhando com entusiasmo o futuro do jornalismo digital, anotar quatro perspectivas diferenciadas: 1) expectativas cumpridas pelo jornalismo digital, 2) não cumpridas, 3) efeitos inesperados, e 4) prospectiva. Com recurso a dados estatísticos sempre muitos recentes, Salaverría [que eu vira na sua universidade, em Novembro passado, e fiz um longo comentário neste blogue] diria que, das expectativas cumpridas pela internet (e que o jornalismo digital é uma expressão), ao aumento na sua utilização corresponde um menor consumo de televisão, telefone e jornais. Já das expectativas não cumpridas, o professor espanhol apoiou-se em texto de Nora Paul (Março de 2005), onde se aponta nomeadamente o espaço ilimitado para as notícias não significar mais tempo para os leitores (que têm um limite físico), o diálogo entre jornalistas e leitores, uma melhor compreensão e clareza nas relações entre jornalistas e fontes de informação e o aproveitamento das possibilidades de arquivo.

Quanto aos efeitos inesperados, destacou a reconfiguração do mercado da comunicação e das suas empresas (se, há vinte anos, os media se isolavam segundo o meio, a internet tornou-se aglutinadora de imprensa, rádio e televisão), traduzível na resposta a pedidos de públicos até aí não atendidos, acarretando uma crise da figura do jornalista, que Rosental Calmon Alves também identificara. Finalmente, em termos de prospectiva, os números indicam que a internet é já o primeiro meio escrito na Europa, enquanto se espera que, em 2008, o volume de negócios na internet alcance o da televisão, o que significa que os negócios dos media tradicionais passam a ser condicionado pela internet. O jornalismo participativo é outra das apostas do futuro.




Nota: para ler resumos mais profundos e ver mais imagens, consultar o blogue das jornadas Dez Anos de Jornalismo Digital em Portugal, da responsabilidade da organização, a quem eu felicito pelo excelente trabalho e acolhimento. Acrescento que o blogueiro apenas esteve um dia, e não dois, fora da Rede. A divulgação das jornadas em Braga merece este esforço, apesar das viagens e da noite menos bem dormida (a cidade estava em festa e o grupo das jornadas fez uma confraternização memorável, laços que não se podem desperdiçar).



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