Coisas e Coisas
1ª COMPANHIAVale a pena acompanhar os reality shows através de publicações semanais e de jornais como o 24 Horas, pois se tem informação precisa do decorrer das "operações" do programa, como é o caso da 1ª Companhia (as imagens seguintes pertencem, respectivamente, às capas dos últimos números das revistas
TV Guia e
VIP, além de recortes dos jornais
24 Horas (30 de Setembro e 1 de Outubro) e
Correio da Manhã (30 de Setembro).
Da leitura da
VIP, percebe-se que Marina Medeiros se separou de Nuno Homem de Sá: ela é modelo (23 anos, uma filha de quase três anos) e ele está no programa
1ª Companhia. O título da capa é retomado no interior: "Custa mais quando há uma filha a dizer que quer o papá". A entrevista merece ser lida com atenção: estão separados há dois anos, ele entrou na novela
Ninguém como tu, têm vinte anos de diferença de idade, passavam o tempo todo a discutir, ela ainda anda à espera de encontrar um novo amor, ele acha bonita a Diana Chaves (outra figurante no
reality show) (fotografias no Castelo dos Mouros, em Sintra, mais guarda-roupa e maquilhagem indicados na ficha técnica).
Também em formato de entrevista aparece José Castelo Branco na
TV Guia. Ele entrou no programa pelo desafio, "porque sou filho da TVI e obedeço aos pais. Não houve imposições, sou um animal que aceita os desafios e os leva até ao fim". Sobre o cachet, não revela, porque "o segredo é a alma do negócio", e não comenta "se é mais aliciante do que o da
Quinta" [
das Celebridades, um
reality show anterior]. Contudo, no
24 Horas (1 de Outubro), ele mostra-se farto das fardas e queixa-se do mau odor, provando que nem tudo está bem.
Um outro recorte (
24 Horas, 30 de Setembro) mostra Valentina Torres, que levou para o programa um vício: fumar dois maços de cigarros por dia. Agora reduziu a quantidade e os marido e os filhos (em casa) aplaudiram. A mesma ex-apresentadora (e cantora de 92 quilos de peso) é entrevistada na
VIP, onde se mostra a ela e a família, mais a sua casa. O marido é Armando Gama (que também andou na música).
Finalmente, o
Correio da Manhã (30 de Setembro) mostra-nos o perfil de Romana, outra "recruta" da
1ª Companhia. O jornal dava-a prestes a sair do programa, mas o marido dela e a tia cantora Ágata (fora do programa) entendem que não. José Castelo Branco tê-la-á repreendido (não percebi porquê) e quanto a Nuno Homem de Sá, ambos participantes no
Big Brother dos Famosos, o seu relacionamento é melhor. As revistas e os jornais completam as biografias dos intervenientes no programa com imagens e comentários de algumas das cenas mais importantes de cada dia.
Tal complementaridade dos media escritos - cada espectador de televisão tem informação suplementar, sabendo o que pensam os intervenientes e os familiares que acompanham cada sessão diária com muito entusiasmo - dá-nos a dimensão de um programa de televisão. Primeiro,
o sucesso do programa mede-se pelas capas e pelas páginas de revistas e jornais ao assunto dedicadas. Chama-se a isto "ter boa imprensa" (repare-se que o programa escolhido é apenas o
reality show da TVI e nenhum dos da SIC). Segundo,
as personagens de um programa frívolo ganham densidade psicológica e sociológica com as entrevistas, falando dos seus medos e dos seus projectos (caso de Valentina Torres, que quer emagrecer e deixar de fumar), o que aumenta a simpatia dos telespectadores, que os leva a reconhecer como seus (da sua classe, dos seus gostos), consumindo mais atentamente as emissões e comprando mais revistas que falem sobre estes ídolos de curta duração.
Além disso, e como terceiro ponto,
televisão e revistas alimentam-se mutuamente, falando da mesma coisa mas com outros registos. Maiores vendas e audiências são as medidas desse sucesso. Quarto, seguindo o ponto anterior, o
reality show não é um acaso, um desenrolar de actividades quotidianas e rotineiras, pois os tipos de figurantes foram previamente escolhidos e cada participante recebe, com certeza,
indicações precisas dos papéis a desempenhar, como declara Castelo Branco ao dizer que aceitou o desafio da TVI e segue o que esta lhe pede. Em quinto lugar, as
histórias promovidas pela televisão e pelas revistas têm estruturas semelhantes: paixões e desamores, filhos, casas, amizades e concorrência, estruturas antropológicas já antigas e que os media de massa "roubam" à literatura e contos populares, agora lidos não em silêncio ou à roda de amigos e familiares mas mediados por um ecrã (que lidera e é acompanhado em extensão nas histórias das revistas).
Trata-se de um mundo de antigos cantores, futebolistas, artistas de filmes pornográficos, pessoas que nunca fizeram nada na vida a não ser aparecer nas revistas por causa das festas que frequentam, ou que procuram relançar pequenas carreiras mediáticas, nada idêntico ao universo dos espectadores - daí uma sexta dimensão, o da
variedade folclórica não representativa da sociedade mas que serve de distracção de um quotidiano monótono. Em sétimo lugar, apesar da complementaridade entre televisão popular e revistas tablóides, há uma distinção:
a TVI é um canal aéreo, gratuito, a que acede um público C2DE (de recursos económicos e de literacia baixos), ao passo que as revistas têm um preço elevado (€1,25, €1,30), lidas também por elementos da classe C1, conquanto as audiências sejam fundamentalmente femininas.
Tudo isto desemboca num último e oitavo ponto: o
fechamento da sociedade. Vivendo e vendo os episódios diários e os compactos semanais deste tipo de programação significa um tremendo fechamento sobre pequeníssimos problemas, frívolos como escrevi acima. Para além da família, dos amigos e dos colegas de emprego ou escola, são estas personagens que habitam o nosso quotidiano. A minha posição é que não ficamos alheios à evolução das histórias do programa. É que, enquanto se sabe que morre a Luísa da novela
Ninguém como tu, que termina em Dezembro (exclusivo anunciado pela
TV Guia), a narrativa do
reality show é mais livre, permite mais hipóteses de final, embora com um quadro mais simples e definido: um só vencedor. O fechamento social e cultural é dado ainda pela repetição até à exaustão, em todas as publicações, dos tiques de cada um dos personagens. As publicações falam todas da mesma coisa.
Outros assuntos - culturais, sociais, políticos, de simples convivialidade - ficam de parte, pois o tempo esgota-se a ver e a ler sobre o programa.
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Ponte escreve sobre o folhetim e o jornalismo de interesse humano....
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JOSÉ CASTELO BRANCO
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Coisas e Coisas