Coisas e Coisas
JOSÉ CASTELO BRANCO
Neste momento, os media escritos e audiovisuais escrevem e falam sobre três nomes: Pedro Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa e José Castelo Branco. O último dos nomes é capa das revistas cor-de-rosa nas duas últimas semanas. Razão: a
Quinta das celebridades, o novo
reality-show da TVI.
Sigamos este, mais consensual que aqueles outros dois em todos os media.
A revista
TV Guia, saída anteontem, tem como manchete (ou título principal) a seguinte:
José Castelo Branco e Betty Grafstein. As últimas horas juntos. Lágrimas no adeus. Para quem não saiba, julga tratar-se de um grande drama familiar, pois se vêem duas figuras, a de um homem ainda relativamente jovem e de ar andrógino e de uma senhora mais velha, que está junta a ele com ar terno. Vendo mais de perto, conclui-se tratar-se do casal Castelo Branco, no momento da ida dele para o programa televisivo. O título mais abaixo na capa da revista diz:
Júlia Pinheiro. "O Pavarotti já é um sucesso". Junto à apresentadora do programa da TVI encontra-se um burro!
Salto imediatamente para as páginas 20 a 23 (o tema de capa) e, depois, para as seguintes cinco páginas (com intervenientes do mesmo programa). Mas fixo-me no texto e nas imagens de Abel Dias sobre o agora residente do programa televisivo. E percorro detalhadamente essas duas componentes. Primeiro, as imagens. As da página 20 mostram Castelo Branco a vestir-se. Pormenores mais interessantes para mim: o cortinado e a cobertura do sofá são do mesmo tecido; ele tira a forma de um dos sapatos,enquanto o outro está sobre o sofá; cinzeiro, isqueiro, um maço de cigarros marca Marlboro e o telemóvel fazem parte do cenário da terceira fotografia, que se repetem na fotografia da página seguinte, mais uma cassete vídeo que não consigo identificar. Desta página 21, anoto a legenda a uma das fotografias: "Antes de sair, Betty, num acto de ternura, colocou na lapela do marido duas jóias representando dois gatos. «É para tomarem conta de ti», disse a brincar".
Agora o texto e as citações que o jornalista faz de José Castelo Branco. Este confessa: "Estou de rastos. Nunca pensei que isto me fosse tão penoso. Não sei se fiz bem aceitar. Acreditem que esta tarde, quando vi a minha Betty tão deprimida, pensei em desistir de tudo. É horrível". E mais à frente, recorda com satisfação quando, entre os 18 e 23 anos, fez de Tatiana Valesca Romanoff: "aparecia nas festas absolutamente feminina, divina, maravilhosa". O travestir-se para uma revista render-lhe-ia €25 mil e "três passagens (para mim, para a Betty e para o meu filho)".
Procuro, agora, informação do mesmo José Castelo Branco na revista
TeleNovelas, também tema de capa, em edição saída anteontem. Retenho duas citações de apresentadores de programas de televisão, na mesma capa, sobre ele - Manuel Luís Goucha: "É uma pessoa de coragem!"; Teresa Guilherme: "Ele é uma aberração".
Acompanho o texto de Patrícia Pato: "Tal como sempre sonhou, José Castelo Branco é uma estrela. A mulher, a multimilionária Betty Grafstein, achou bem que ele concorresse à «Quinta das Celebridades». Afinal, «desde pequeno que sonha ser famoso», disse ela na apresentação daquele que já deixou todos colados ao ecrã da TVI. E, de facto, a figura do
jet-set não deixa ninguém indiferente".
Fanfarra para o homem vulgar
Este foi o título de uma crónica de Eduardo Cintra Torres editada no jornal Público (28 de Agosto de 2000) e republicada num belíssimo texto da MinervaCoimbra, intitulado
Reality shows. Ritos de passagem da sociedade do espectáculo. Claro que o título apontava para os desconhecidos que tinham entrado no primeiro
Big Brother, que tornou famoso o agora desgraçado Zé Maria.
Mas o sumo do seu texto pode aplicar-se à actualidade. Escreveu então o crítico de televisão: "O Big Brother poderá provocar um terramoto na audimetria de televisão, pelo menos durante alguns meses. O futuro da TVI ficará ligado ao êxito deste programa". E mais à frente: "Quer dizer que a TV dá ao público aquilo que ele quer? Receio bem que sim, neste caso. Se bem que este tema, tão abordado nos encontros sobre televisão, se assemelhe à questão do ovo e da galinha, é certo que não posso discordar aqui dos programadores de TV quando dizem que dão ao público aquilo que ele quer ver. Por esta razão: o público vê. Se vê, é porque quer ver".
Confesso, publicamente, que, anteontem, enquanto jantava num restaurante, vi o senhor José Castelo Branco a massajar o pezinho de uma das concorrentes. Só não vi muito bem porque a televisão estava longe e eu não tinha os óculos colocados. Mas basta-me consultar a coluna do
Público de hoje sobre os programas de televisão mais vistos nesse dia 11, a partir de dados da Marktest: a "Quinta das celebridades" vem em primeiro lugar, com 20,3% de audiência (percentagem de pessoas que contactou com o programa) e 46,6% de share (relação da audiência entre os canais de televisão).
Para mim, existe um ar demencial (no programa de televisão como na política nacional) que urge reflectir. Não podemos deixar o país perder-se em caricaturas de si mesmo.
Uma última nota
É importante perceber que na cadeia de valor do audiovisual - da concepção do programa ou produto audiovisual à sua produção, realização, distribuição e consumo -, despertam interesses económicos e culturais crescentes com os produtos criados à sua volta (os discos ou os livros que acompanham os jornais; os DVD, os produtos de entretenimento e as pipocas que se juntam aos filmes). Mas não podemos esquecer a simbiose entre programas de televisão, caso dos reality shows, e as revistas e publicações. Umas promovem as outras, numa retroalimentação (feed-back) incessante. Apercebi-me disso quando em visita à SIC, há dois anos atrás, vi na sala das Relações Públicas as capas de revistas cor-de-rosa que falavam das personagens do Masterplan. A SIC recuperaria a sua imagem graças a estas revistas.
E quem é o proprietário destas revistas?
Publicações consultadas: 1) TV Guia, semanal, director - Nuno Farinha, 146 páginas, €1,25, 147000 exemplares de tiragem média, pertencente ao grupo Investec (Cofina), de Paulo Fernandes [detém a propriedade do Correio da Manhã]; 2) TeleNovelas, semanal, directora - Teresa Pais, 116 páginas, €0,65, 160225 exemplares de tiragem média em Setembro, pertencente ao grupo Edimpresa, de Pinto Balsemão [detém a propriedade do Expresso, Visão e SIC].
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