Coisas e Coisas


PÚBLICOS DE CULTURA

Hoje, na aula da manhã, contámos com a presença de Rui Telmo Gomes, sociólogo associado ao Observatório de Actividades Culturais (OAC). Ele falou-nos de estudos de públicos de cultura em Portugal, área que tem vindo a ser trabalhada nos últimos dez a doze anos.

A base principal dos estudos no país tem assentado em inquéritos a populações específicas em ocorrências determinadas, caso da Lisboa capital da cultura 1994 e Porto capital da cultura 2001, e que abarcam práticas culturais e de lazer. Contudo, desde os anos de 1980, são feitos inquéritos à juventude, o que permite uma leitura mais longa e diacrónica. Ainda não feito foi um inquérito geral às práticas culturais dos portugueses, ao contrário de França que o faz desde a década de 1960, possibilitando, neste país, uma percepção de alterações em termos de práticas e consumos culturais.

Há três abordagens precisas de públicos de cultura: 1) estatísticas de frequência de equipamentos culturais, 2) inquéritos às práticas culturais de uma população, e 3) inquérito aos frequentadores de eventos e acontecimentos. Claro que estas abordagens representam diferentes metodologias, como as questões de medida, representatividade e tipificação. Por exemplo, as grelhas cronológicas nada nos dizem sobre as práticas ou sobre quem são os espectadores de um filme ou peça de teatro.

O sociólogo Rui Telmo Gomes mostrou ainda como a frequência de equipamentos culturais em Portugal cresceu nos anos de 1990 e estagnou na actual década. Ele referiu-se ao aumento continuado da frequência de bibliotecas e da ida a espectáculos e ao peso do cinema no consumo cultura (10 milhões de entradas anuais no começo da década passada e subida para 20 milhões durante a mesma década, devido à construção e/ou alteração dos equipamentos, como a passagem de cinemas isolados para multiplexes; contudo, o patamar de idas ao cinema tende a baixar por causa dos consumos domésticos, como o vídeo e o DVD).

Partindo dos estudos de longa duração em França e procurando comparar com a realidade portuguesa, o sociólogo destacou a relação entre práticas culturais e democratização da cultura. Para ele, há uma sobredeterminação estrutural dos hábitos culturais, uma persistência de desigualdade no exercício da cultura e limites das políticas culturais, e o efeito do alargamento da escolarização na constituição de públicos da cultura. Em França, ao longo de 30 anos de inquéritos, verifica-se: 1) manutenção de variáveis relevantes (idade, escolaridade, origem social, género), 2) independentemente do investimentos em políticas culturais, as desigualdades tendem a persistir. Em Portugal, um dado crucial é constituido pelos baixos níveis de escolaridade, embora, em termos de comparabilidade com França, o desnível se reduza quando se trata de públicos jovens. Assim, se a escolaridade é um factor de distinção na desigualdade, a longo prazo o aumento de capitais escolares permitirá a democratização da cultura.

Na apresentação hoje feita, Rui Gomes esclareceu ser a população universitária um núcleo importante de públicos (a par dos professores). Nota-se, porém, que, uma vez concluido o ciclo de vida estudantil, tais públicos têm uma quebra sensível em termos de práticas culturais.

Rui Gomes lembrou o inquérito à ocupação dos tempos livres realizado em 1999 (INE e OAC), com imenso e rico material para interpretar as práticas culturais. E elencou cinco componentes essenciais a partir do estudo: 1) sociabilidade inter-domiciliária (visitar/ser visitado, jogar cartas, ver televisão), 2) saída de comensais (ir comer fora com familiares e amigos, ir a discotecas), 3) sociabilidade local (associações recreativas, festas populares), 4) práticas de saída informativa (ir a museus, exposições, bibliotecas), e 5) práticas amadoras (desporto, cantar num coro, tocar numa banda).

Finalmente, houve ainda tempo para traçar alguns dos conceitos trabalhados ao longo das três últimas décadas, nomeadamente nos universos académicos de língua francesa e inglesa: cultura como distinção social (Bourdieu), legitimidade cultural e ecletismo (Donnat), pluralidade das práticas e segmentação de públicos (Lahire), comunidades de recepção (Fiske), gosto cultivado e gosto omnívoro (Peterson) e diferenciação de audiências (consumidores massificados, fãs e praticantes). Na tipologia dos segmentos, Rui Gomes destacou um continuum, indo do género mais abrangente (a massificação da televisão) a formas de recepção com investimento (grupos de fãs e consumo especializado) até ao consumo mais pequeno, de nicho, cujos praticantes se tornam auto-produtores.



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