Você
Coisas e Coisas

Você





De pé, perto da janela, fumando o último cigarro, eu te vejo.

Deitado na cama. O corpo meio de lado, meio largado. A respiração lenta, quase imperceptível. O olhos, mesmo fechados, se movem lentamente. Você sonha. Ou talvez habite uma outra dimensão. Um universo paralelo onde esteja de pé, perto da janela, fumando o último cigarro... eu te vejo.

Sentado na cadeira vermelha do canto do quarto. Na minha lembrança você está sempre fumando. Não sei mais dizer se você realmente chegou a fumar um dia. Mas a imagem que eu preciso vem sempre acompanhada de uma névoa. Talvez seja meu vício por filmes noir. Talvez seja minha vontade de te impor algum tipo de imperfeição.

Quando eu volto a abrir os olhos, estamos na sala. Você sentado naquele sofá velho que eu detesto. A minha cabeça descansando sobre teu colo. Uma imagem que você arquitetou tão bem. Ainda lembro do convite para deitar ali. Uma tentativa de reviver um outro momento. Ou não. Um gesto involuntário. Uma posição adquirida pelo hábito. Nessa lembrança você não fuma. É uma das poucas lembranças que tenho que é nítida. Tudo tão rápido e intenso.

Tudo tão rápido e intenso.

Fecho os olhos e te vejo dançando. Não consigo falar muito mais sobre isso. Fumaça, mesmo que não seja de cigarro. Uma noite inteira juntos. Dançando, cada qual no seu lado do ringue. Love is a battlefield. Um único olhar e um sorriso. O momento em que eu me percebi perdido. Irremediavelmente perdido.

Então, o jogo começa. A mão que corre pelo braço enquanto uma bobagem qualquer é falada no ouvido. A necessidade de saber dosar a aproximação. O olhar. Buscar a exata imagem de parecer frágil o suficiente para necessitar de companhia, sem parecer fraco demais. Encontrar nos seus olhos o momento certo para impor-se ou retirar-se. Rir junto. De qualquer coisa. Manter no olhar uma sensação de que a noite poderia ser perfeita. Ainda não é, mas poderia. Entregar-se ao coração que se acelera pela expectativa. Dar tempo. Decidir ir embora juntos. Ir na mesma direção, mesmo que não seja seu caminho. Ganhar tempo. Decidir comer algo, mesmo que não tenha apetite. Convencer. Atrair.

Tudo tão rápido e intenso.

De pé, perto da janela, fumando o último cigarro, eu te vejo.

Jogado na cama. O corpo meio de lado, meio largado. Quase não resta respiração. Os olhos se movem, lentamente. Quase não resta mais forças. Você sonha? Ou talvez habite outra dimensão. Um universo paralelo onde não foi atraído até aqui. Onde não ficou parado, na porta, hesitou em entrar. Onde não hesitou em dar/receber o primeiro beijo. Onde...

Tudo tão rápido e intenso.

Sentado na poltrona eu te olho. Você parecia tão forte antes de receber o primeiro golpe. Você parecia tão seguro antes de ser forçado a ficar de joelhos. Você parecia tão confiante antes que minha mão entrasse pelo seu abdômen. Você parecia tão certinho... antes.

Em um universo paralelo talvez você ainda esteja vivo. Talvez.





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