Forca
Coisas e Coisas

Forca




Sangue.
Tocou o rosto e percebeu a lágrima.
Caiu de joelhos enquanto o corpo balançava lentamente, pendurado.
Cena final de uma história clichê.
Sem aplausos.

Se você me deixar, eu me mato - ele dizia. Repetia essa frase à exaustão. No início como um jogo romântico. Uma frase de efeito que soava bonito. Quase uma prova de amor. Sem você não vale a pena viver. Eu nunca vou encontrar outra pessoa pela qual eu sinta o que sinto por você. E ambos gostavam desse jogo dramático. Sentiam-se unidos. Sentiam-se amados. Eu também - respondia, acreditando que o jogo romântico valia a pena.

Se você me deixar, eu me mato - ele dizia. Eu juro que me mato - acrescentava, depois de um tempo. Talvez porque tenha percebido que a primeira frase era tomada de forma diferente por eles. Se para um, era somente uma frase de efeito, para o outro era a mais pura verdade. Ele seria realmente capaz de se matar caso fosse rejeitado. E para que isso ficasse claro, acrescentou o juramento.

Ele acreditava no poder das palavras. Não pronunciava nada que não pudesse cumprir e pensava que todos entendiam as coisas da mesma maneira. Com o tempo foi se dando conta de que não era assim. Para uns, palavras são somente ...isso: Palavras. Verdades transitórias. Folhas sopradas ao vento. Uma gota que atravessa o ar e some.

Se você me deixar, eu me mato! Eu juro que me mato. - ele dizia. E recebia um movimento de cabeça que era quase que uma provocação. E por mais que recebesse sempre a mesma resposta - Eu também - começou a desacreditar. Oras, se uma promessa de horário pode ser quebrada, se alguém diz que vai chegar cedo e só aparece depois de madrugada, a resposta também pode.

Uma pessoa tem que ser íntegra sempre. As coisas não podem ter dois pesos e duas medidas. Um horário é tão importante quanto um juramento. Uma data esquecida é um sintoma. Uma falta de gentileza, também.

Se você me deixar... - ele dizia. E já parecia que as palavras ganhavam um novo tom. Menos romântico, mais soturno. Uma ameaça velada. Uma tentativa de imputar um pouco de responsabilidade no outro. Você vai carregar a culpa para o resto da vida. Você vai ter que dizer à todos que eu me matei por sua causa. E o que parecia ser um jogo romântico foi perdendo a suavidade. Responder era uma obrigação e não um prazer. Eu também - cedia, acreditando que isso era necessário.

Se você me deixar... - ele dizia.

Uma palavra, uma frase, uma ordem... repetida muitas vezes, vira uma sentença. Como uma faca pendendo sobre nossas cabeças. Algo à espreita, pronta para o ataque. Dessa forma, qualquer motivo pode dispará-la. Qualquer coisa que, fora deste contexto, pareça inconsequente. Qualquer gesto ou ação. Feita. Ou não feita. Inclusive, um mal entendido.

Sangue.
Tocou o rosto e percebeu a lágrima.
Caiu de joelhos enquanto o corpo balançava lentamente, pendurado.
Cena final de uma história clichê.
Sem aplausos.

E agora, era o "Eu também" que iria ressoar... para o resto da vida.







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