Coisas e Coisas
A mentalidade esportiva da América
Estive nos Estados Unidos pela primeira vez faz pouco tempo e fiquei impressionado com diversas coisas em que a cultura deles difere da nossa. Enfim, os Estados Unidos eram para mim um lugar que ocupava um platônico mundo das idéias. Entretanto, os Estados Unidos do mundo das minhas idéias era diferente dos Estados Unidos real. Durante os 15 dias que passei por lá, desfiz e refiz meus conceitos sobre o estado que é soberano na economia mundial.
Com relação à sociologia, percebi que há muitos negros e latinos em todos os serviços básicos e não se encontra muitos americanos nesse ramo de atividade. Culturalmente falando, percebe-se claramente que a obesidade é sim um problema de saúde no país e jamais vi tantos obesos em tão pouco tempo e espaço quanto durante esta temporada. A diversidade genética do americano também parece ser rica, talvez tanto quanto a brasileira. Anda-se na rua e vê-se negros e brancos e asiáticos e latinos. Todos os tipos físicos humanos podem ou poderiam ser americanos. Estou curioso por conhecer a origem genética da população americana, dado que a história genética da população brasileira é bastante interessante (segundo estudos do meu antigo laboratório, sob a coordenação do Prof. Sérgio Pena).
Enfim, venho aqui falar, entretanto, da mentalidade esportiva que eles têm. Em todo lugar que se vai na América, há uma televisão ligada onde há algum esporte passando. Talvez seja o esporte para eles, como a novela é para o brasileiro. Enfim, fiquei um pouco incomodado com essa questão de esportes em todos os lugares e isso me fez filosofar sobre a forma com que eles parecem ver o mundo: como um palco de uma competição.
Ao olhar dos americanos, parece que toda a sociedade é baseada em competição. Mesmo em meio às discussões científicas, frequentemente vinha a palavra competição à conversa. Considerando que -- como eu pensava antes -- não é a organização que faz deles uma sociedade mais desenvolvida*, penso que um de seus triunfos pode estar associado a esse senso de competição que eles parecem ter no sangue. O Europeu já está muito adiante dessa vertente modernista de "querer desenvolver" e de "querer ser o melhor". Na Europa, trabalha-se com dedicação e destaca-se sim pela qualidade do serviço, mas não há uma competição ferrenha e, de fato, os pós-modernistas daqui não querem ser melhores em coisa alguma. Eles querem apenas ter uma vida boa e viverem tranqüilos, trabalhando sim com dedicação e afinco, mas sem se matarem para tanto. Nos EUA, a competição infernal realmente parece estar no sangue e talvez por isso eles sejam mais gordos e, provavelmente, mais estressados. Também notei que a ocorrência de várias pessoas com os mais diversos tiques nervosos nos Estados Unidos, provavelmente derivados de problemas de estresse devido à correria contra o tempo e ao jugo da rainha vermelha (Caroll, 1865).
Socialmente falando, pode ser que isso torne uma sociedade mais avançada e desenvolvida. Entretanto isso parece ser um problema pessoal grave para aqueles que precisam trabalhar em um ritmo que não conseguem acompanhar. Já existe competição suficiente no mundo, não é preciso exagerá-la. Socialmente falando ainda, pode ser que essa pressão torne uma sociedade menos estável, mais ignorante (cada um só está interessado em seu objeto de trabalho e nem liga para todo o resto) e traga problemas mentais para seus indivíduos, a longo prazo. Em um pequeno meio que convivi durante poucos dias, percebi pelo menos duas pessoas com tiques graves e notórios. Aqui na Europa, não conheço ninguém assim... embora no Brasil, a ocorrência de tiques também não seja infrequente. Eu mesmo tenho alguns leves e poderia estar pior. Talvez tenha sido esta a vantagem de ter me mudado para a Inglaterra, enfim. Definitivamente foi lá que aprendi que no mundo civilizado, ninguém corre. E isso me deu uma maior tranquilidade para contemplar a vida, fazer tudo a seu devido tempo, levar meu trabalho com responsabilidade mas sem correria e viver com menos ansiedade. Enfim, é esse o pensamento europeu: pensar nas coisas, fazê-las com tranquilidade e evitar o afobamento desnecessário.
Basicamente, portanto, a conclusão é essa: talvez a correria e a mentalidade sempre competitiva da América é que faça com que eles estejam assim tão desenvolvidos, ainda que isso influencia negativamente a vida pessoal da maioria das pessoas. O mesmo parece estar acontecendo com o Brasil e, enfim, estamos nos desenvolvendo. Para o que já está desenvolvido, entretanto, resta filosofar, pensar e descansar. Em certos aspectos bastante restritos penso ter incorporado alguns memeplexos da sociedade européia e, se isso é verdade, o memeplexo da tranquilidade ante a correria me foi incorporado, embora por vezes eu ainda tenha ondas neuróticas de fazer-tudo-rápido-para-terminar-pra-ontem.
* Penso que a extrema organização é um dos mais altos trunfos da sociedade européia, que é super-organizada. Entretanto sente-se aqui, por vezes, um tanto quanto vigiado e não parece haver uma liberdade de se estar no meio de uma multidão. A sociedade americana é desorganizada em uma medida intermediária entre a brasileira e a européia, sendo a brasileira, a mais desorganizada. Pessoalmente, as vezes essa excessiva organização me causa um certo asco e prefiro viver em sociedades menos organizadas, embora sem dúvida haja enormes vantagens na organização -- principalmente no que se refere ao importantíssimo ponto para um estado que é o transporte público.
-- Lewis Caroll. Alice's Adventures in Wonderland (1865)
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