Coisas e Coisas
Das línguas: o português e o brasileiro
Venho aqui instigado pelo artigo do português Boaventura de Sousa Santos que acabo de ler no jornal da ciência da SBPC. Basicamente o texto discute a relação entre Brasil e Portugal, o colonialismo de uma potência mediana e a possível relação do colonizado virar o colonizador. Tudo isso sob uma óptica centrada na própria língua portuguesa.
Nunca me questionei sobre o fato de que no Brasil falávamos português. Há dois anos atrás, entretanto, conheci uma portuguesa quando vivia em Cambridge (Inglaterra) que achou meio absurdo eu chamar o português do Brasil de "português". Segundo ela e seus bem colocados conceitos, eu não falava português absolutamente, eu falava brasileiro. "-- Ah, bom." Essa foi a primeira vez que ouvi dizer tal coisa. Brasileiro à época me soou -- e até hoje me soa -- estranho. Eu não sinto que falo brasileiro, sinto que falo português mesmo. Já li diversos livros do excelente escritor José Saramago em português "raiz" e minhas dificuldades estiveram em palavras estúpidas que antes desconhecia mas que podem ser facilmente interpretadas com um pouco de imaginação, coisas como "rés do chão" ou "pequeno almoço". Enfim, a portuguesa me parecia um tanto quanto direitista e defensora da maravilhosa história de sua língua pátria, de forma que não poderia sequer aceitar o fato de que aquilo que falávamos no Brasil fosse ter a honrosa alcunha que ela dava ao seu próprio e lindo português, língua de Camões. Protecionismo conceitual linguístico me parece demais, mas posso estar errado.
De qualquer forma, grande parte dos europeus pensa que falamos espanhol apenas por estarmos na América Latina e, portanto, eles não sabem muito bem a relação do português com o brasileiro. De fato, muitos pensam que o português é algo tão difícil de aprender quanto o polonês -- embora muitos também saibam que se trata de uma língua próxima ao espanhol e derivada do latim. Mas falar português nas grandes potências européias, como a Inglaterra, França e Alemanha é, sem dúvida, algo exótico.
Passados dois anos de meu encontro com a portuguesa ortodoxa e eis que me vejo novamente neste mundo louco que é a Europa, agora na França. E então a mulher do recursos humanos do instituto de pesquisa onde trabalho me pergunta como é a língua brasileira. E quando digo que falamos português, ela se espanta, posto que já vira por aí aulas e cursos de brasileiro, achava que fosse algo bem diferente. Eles não sabem mesmo do que falamos, o que é normal posto que também não sabemos que língua se fala em determinados países da África e tal. Pois bem, mais alguns meses por aqui me permitiram confirmar esse ponto: aqui na França você consegue encontrar aulas de "brasileiro", se quiser aprender. Veja bem, não é de português do Brasil, é aula de brasileiro, uma língua supostamente independente. Os motivos para tanto, ao menos aqui na França, podem ter algum tipo de interesse comercial. O Brasil é visto por aqui, muitas vezes, como um país legal, transado, interessante, ainda que pobre. De qualquer forma, parece que os brasileiros que imigraram pra França, historicamente falando, não foram os brasileiros pobres que se encontra noutras partes da Europa. Assim, muitos dos franceses têm uma visão poética do Brasil, associada à música e arte e poesia, não aos pobres e nossos problemas sociais. Portanto, não é tão difícil encontrar franceses que amam o Brasil sem jamais terem viajado ou conhecido nosso país! Já Portugal é visto como um primo razoavelmente pobre e distante. Muito pouca gente faria aula de português por aqui se fosse pra aprender a língua de Portugal, é a impressão que tenho.
Finalmente, não tenho mais o que dizer. Ainda não conheci Portugal, embora tenha conhecido alguns portugueses e lido o suficiente para acreditar que a língua é a mesma. É claro que o sotaque é sensivelmente diferente, mas a língua escrita é praticamente idêntica. O que, de fato, caracteriza uma língua como uma língua e não outra? Qual o limite da distinção entre as línguas? Creio que já ouvi dizer que o português do Brasil é mais próximo do português de Portugal do que os ingleses da Inglaterra e dos Estados Unidos. Haverá alguma regra para batizar uma língua de outro nome? Qual deve ser o tamanho da diferença para que demos às línguas nomes diferentes? De qualquer forma, qualquer critério será um tanto quanto arbitrário mas creio que se podemos nos compreender em meio escrito e fonético com razoável facilidade, não devemos então dar nomes distintos aos idiomas. Mas essa é só uma opinião entre tantas...
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