Coisas e Coisas
VENEZUELA, BRASIL E AUTORIDADES REGULADORAS
Fernando Oliveira Paulino publicou um importante texto no sítio da Assessoria de Comunicação da Universidade de Brasília (Brasil), com o título Venezuela, Brasil e autoridades reguladoras, no passado dia 5, e que aqui reproduzo na íntegra, respeitando totalmente a ortografia do português no Brasil.
Houve um tempo em que raramente se ouvia falar em Venezuela na mídia brasileira. Ainda hoje, pesquisas demonstram o insatisfatório volume de informação veiculado sobre a realidade latino-americana. Mesmo os países do Mercosul não encontram grande relevância e repercussão na imprensa verde-amarela. Assim, torna-se instigante notar o interesse nos últimos cinco anos pelas ações de Hugo Chávez.
A crise econômica associada ao fracasso histórico das elites venezuelanas em amenizar as distâncias entre ricos e pobres gerou as condições para um coronel pára-quedista assumir o poder. Chávez, mal-sucedido em um golpe aplicado seis anos antes, foi eleito em 1998 com alta popularidade. Em 2002, resistiu a uma tentativa de golpe co-organizada com a participação de empresários da mídia, dentre eles concessionários de serviços de radiodifusão. Percebendo a importância vital da mídia no cenário político, estimulou sua TV estatal, criou uma rede para todo o continente – Telesur – e aprovou uma lei que normatizou conteúdos.
Em 27 de maio último, mesmo com apelo de várias entidades internacionais, a RCTV, maior televisão privada e grande pólo produtor de telenovelas, não teve sua concessão renovada. A decisão, amparada por relatório disponível na internet, gerou críticas de várias entidades, principalmente as empresariais, que consideraram a decisão chavista um disparate contra a liberdade de expressão.
Cabe lembrar o histórico da concessionária. Em 1976, a RCTV foi suspensa por ter difundido "noticias falsas e tendenciosas". Depois, ficou 34 horas fora do ar por transmitir "narrações sensacionalistas, quadros sombrios e relatos de fatos pouco edificantes". Em 1981, houve suspensão de um dia por ter transmitido "uma fita de conteúdo pornográfico", e uma advertência, em 1984, por representar "de forma humilhante" o então presidente e sua esposa.
O relatório que subsidiou a decisão contra a RCTV aponta que, durante a tentativa de golpe contra Chávez, a emissora teria subsidiado atores políticos e fabricado mensagens. Antonio Paquali, acadêmico venezuelano e crítico mordaz de Chávez, reconheceu, em entrevista ao jornal El Mercurio, os malefícios históricos da RCTV à comunicação na Venezuela, pois a emissora não valorizou a produção nacional como deveria e havia desfigurado o mercado publicitário "monopolizando 85% da audiência".
Assim, mesmo que a análise do ocorrido se concentre nas divergências políticas entre os grupos defenestrados por Chávez e suas potenciais práticas autoritárias castristas, convém recordar que a RCTV, como concessionária de serviço público, estava sujeita a essa medida por meio legal. Tanto é que, mesmo diante do protesto e apelo de algumas organizações, a emissora não conseguiu amparo judicial para reverter sua situação.
Diante do exposto, surgem dúvidas essenciais e conexas ao Brasil. Como evitar que o governante de plantão interfira no conteúdo editorial das concessionárias de radiodifusão? Ao mesmo tempo, como a sociedade pode ter uma programação que atenda às suas necessidades de informação, educação e entretenimento sem que haja uma autocensura impedindo o pluralismo e a presença do contraditório?
Comparada às nações com maiores Índices de Desenvolvimento Humano, a maior parte dos países latino-americanos possui um vácuo no que se refere à efetivação de autoridades reguladoras das comunicações.
Em 1988, houve um avanço significativo na Constituição Brasileira ao co-responsabilizar o Congresso Nacional nas concessões e renovações de radiodifusão. Contudo, estima-se que 35% dos congressistas tenham participação direta ou indireta em emissoras de rádio e TV. Destarte, o estágio em que vivemos de ampliação das possibilidades do exercício da cidadania prescreve a necessidade de criação de instâncias que se responsabilizem por fiscalizar o conteúdo e a lisura no processo de concessão de radiodifusão.
Países como França e Inglaterra têm institutos específicos para análise do cumprimento dos contratos de concessão, estimulando uma permanente prestação de contas (accountability) da mídia.
Afinal, é preciso transparência nos acordos estabelecidos entre o poder público e as empresas de radiodifusão, para que a sociedade saiba quais serão os critérios adotados para a renovação da concessão das emissoras no país.
Desta maneira, fazendo com que as decisões não estejam sob o arbítrio apenas do Poder Executivo ou de concessionários no Congresso, assegura-se a segurança jurídica necessária para o dever de informar sob o interesse público. Do contrário, os riscos de tentação autoritária por parte do Estado ou do mercado continuarão altos. Sem que a sociedade encontre um caminho de mediação efetivo.
Fernando Oliveira Paulino é mestre e doutorando em Comunicação pela UnB (Universidade de Brasília). É pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação (Lapcom) e um dos fundadores do SOS-Imprensa, na UnB. Fotografia de Cláudio Reis/UnB Agência. Fernando Oliveira Paulino é "correspondente" do Indústrias Culturais no Brasil.
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