Coisas e Coisas
RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS MEDIA
Nos últimos anos, o termo accountability está na ciência política latino-americana como sinónimo de mecanismos que possibilitam a responsabilização das pessoas que ocupam cargos públicos, eleitas ou não, pelos seus actos à frente das instituições do Estado (Paulino, 2008: 12). Para além dos poderes Judicial, Executivo e Legislativo, pressupõe a existência de agências com autoridade legal, dispostas e capacitadas para empreender acções que vão do controlo rotineiro até sanções legais. A accountability estende-se a jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão.
O trabalho onde o tema responsabilidade social é desenvolvido resulta da tese de doutoramento de Fernando Paulino, defendida este ano na Universidade de Brasília. Aí se pretende identificar e avaliar iniciativas estabelecidas dentro dos chamados Meios de Assegurar a Responsabilidade Social dos Media (MARS), na tentativa de os aplicar à realidade brasileira (Paulino, 2008: 13). Ele segue autores como Claude-Jean Bertrand (2002), Eugene Goodwin (1993) e Hugo Aznar (1999), que consideraram a Teoria da Responsabilidade Social da Imprensa como base para um sistema de jornalismo ético que obrigue os comunicadores a se responsabilizarem perante o público, com prestação de contas das suas actividades (Paulino, 2008: 15).
Tal inspira-se, por seu lado, nas actividades da Comissão sobre Liberdade de Imprensa (Comissão Hutchins), constituída em Dezembro de 1942, a partir do financiamento de Henry Luce, um dos fundadores da revista Time. Robert Maynard Hutchins foi convidado para coordenar uma pesquisa que revelasse “o estado actual e as perspectivas futuras da liberdade de imprensa”. O resultado do trabalho da Comissão foi A Free and Responsible Press a General Report on Mass Communication: Newspapers, Radio, Motion Pictures, Magazines, and Books, publicado em 1947. O documento, onde se temia que a concentração de propriedade nas mãos de um número mais pequeno de empresas pudesse resultar num monopólio de ideias (Paulino, 2008: 21), provocou polémica ao indicar a criação de um órgão independente que avaliasse a actuação dos media. As críticas vinham de muitas instituições de comunicação, que temiam que as regulamentações se materializassem em interferências restritivas à liberdade de imprensa (Paulino, 2008: 19).
O termo accountability, que não tem uma tradução exacta na língua portuguesa, refere a obrigação de membros de um órgão administrativo ou representativo prestar contas a entidades controladoras ou ao seu público (Paulino, 2008: 87), sendo traduzido frequentemente por responsabilização ou prestação de contas. Paulino (2008: 27) ressalta o crescimento da atenção dos media, em especial as referentes a actividades de promoção da saúde, infância, meio ambiente e desenvolvimento sustentável por parte das empresas.
Ele dá ênfase a um dos tipos de accountability, a social (elenca mais duas, horizontal e vertical), concepção baseada numa matriz teórica que partilha da ideia de que o controlo da acção governamental pela sociedade constitui uma especificidade (Paulino, 2008: 94), mecanismo de controlo não eleitoral, envolvendo elementos institucionais e não institucionais assentes na acção de múltiplas associações de cidadãos, movimentos sociais ou media, com o objectivo de dar visibilidade a erros e falhas do Estado, trazer novos pontos à agenda pública ou influenciar decisões políticas.
O autor segue de perto o modelo de Claude-Jean Bertrand dos MARS (Meios para Assegurar a Responsabilidade Social dos Media), os quais incluem colunas de correcção de erros, secções de cartas dos leitores, colunas do provedor dos leitores, revistas de jornalismo, observatórios de imprensa e códigos de ética dos media (Paulino, 2008: 104). Paulino (2008: 256) referencia igualmente associações de telespectadores e blogues que levam os media a prestar contas. Na investigação, foi feito um levantamento exaustivo das competências assumidas pelas entidades reguladoras dos media em Espanha e em Portugal, caso da ERC, modelos que o autor entende úteis para a implementação da responsabilidade social dos media no Brasil. O trabalho de Fernando Paulino - "correspondente" do Indústrias Culturais em Brasília - incluiu entrevistas feitas a dirigentes de empresas dos media, reguladores e académicos.
Leitura: Fernando Oliveira Paulino (2008). Responsabilidade Social da Mídia. Análise conceitual e perspectivas de aplicação no Brasil, Portugal e Espanha. Tese de doutoramento defendida na Universidade de Brasília, 347 páginas
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