Coisas e Coisas
UM PROJECTO DE PÓS-DOUTORAMENTO – QUE ME LEMBREI DE ESBOÇAR HOJE MAS NÃO VOU FAZER (1)
Em 2008, passam 40 anos do Maio parisiense. Não pretendo aqui fazer uma análise política nem de costumes, mas aproveitar a data para questionar o modo como as tecnologias da informação retrataram o movimento desse Maio e o que terá alterado até aos nossos dias. 40 anos são quase duas gerações – melhor, geração e meia.
Peguemos em algumas tecnologias, como o telefone fixo e o telefone móvel ou celular e a fila de atendimento no banco e o levantamento de caixa no multibanco ou a passagem via verde na auto-estrada. O que se ganhou? O que se perdeu? Que novas profissões? Que profissões desapareceram? Que hábitos novos?
Como hipótese teórica de trabalho – a confirmar ou não no final da minha investigação – julgo haver alterações como mais rapidez nos contactos humanos, mas igualmente mais fugazes e menos duradouros, com mais informalidade, maior especialização e necessidade de actualização, tecnologias mais amigáveis e de substituição rápida (descontinuidade tecnológica) associada à moda (a máquina mais recente como pequeno maior estatuto social).
Durante décadas, o telefone fixo foi uma peça feia, pesada, com cor preta dominante, um serviço lento, em que a comunicação "caía" frequentemente, provocando irritação nos seus utilizadores, e preços muito elevados. Além da lentidão, a oferta de serviços era escassa, pouco inovadora, e o processo de instalação de um telefone seguia um caminho burocrático, quase a exigir uma cunha para avançar mais rapidamente. Lento e caro repercutia-se no modo de uso – chamadas com mensagens curtas reflectiam essa mentalidade de controlo apertado de custos. A massificação do telefone deu-se nos anos 1970, campanha que vinha timidamente desde os anos 1950. A área da produção das empresas de telefones comandava, mas os anos 1970 e década seguinte promoveram a hegemonia da área comercial e de marketing. O telefone deixava de ser um produto e passava a serviço.
O surgimento dos primeiros telemóveis marcou o espanto mas não provocou a massificação – dada a dimensão e, em especial, os custos associados. Em Portugal, 1985 marca a data do lançamento dos primeiros telemóveis, coincidindo com a adesão do país à União Europeia (então CEE) e com o aparecimento dos centros comerciais (Amoreiras) e a ampliação da rede de auto-estradas. No dobrar e durante a década de 1990, o telefone celular deixou de ser um equipamento de estatuto social e massificou-se, em especial com o lançamento do cartão pré-pago, tecnologia adequada para países pobres e em vias de desenvolvimento, para quem o controlo dos gastos continua a ser um elemento essencial.
A concorrência entre empresas nos telefones celulares – o que não acontecera no telefone fixo, um serviço público – levou rapidamente à oferta de múltiplos serviços para captação de novos clientes. Embora nem sempre os mais adequados aos clientes – fazendo com que instituições de consumidores estivessem sempre alerta –, o certo é que novos terminais e novas funcionalidades foram sendo oferecidas enquanto diminuia o preço por chamada. Isto é, ao baixar o custo aumentou o tempo de duração das chamadas, levando a uma quase moda de falar por tudo e por nada, numa espécie de competição onde "eu recebo mais chamadas do que tu".
As redes sociais – ainda antes da internet – solidificaram-se graças ao uso permanente do telemóvel (que também é um instrumento de controlo para se saber o que o outro está a fazer embora não se saiba aonde, dada a mobilidade geográfica dada pelo aparelho).
Que alterações nas profissões das telecomunicações? Os empregados de centrais telefónicas (genericamente designados por mecânicos) desapareceram em pouco mais de dez anos, muitos deles dificilmente reconvertíveis da perspectiva tecnológica. As telefonistas acumularam funções de recepcionistas ou secretárias e, em muitos casos, as máquinas substituiram as suas funções. Mais tarde, outras funções foram transferidas para computadores. Em termos de uso, e para além da massificação (há mais telefones celulares que habitantes em muitos países ocidentais) e do crescente uso do equipamento para chamadas, o salto foi dado com a oferta de serviços. De mensagens (SMS) aos toques de telefone e, mais recentemente, à possibilidade de fazer imagens fixas e em movimento, tornando o terminal um equipamento multifunções, sendo crescentemente a menos importante a inicial – telefonar. Mas o equipamento permite também jogar jogos e a futura massificação da internet passa por esse aparelho.
Assim, os hábitos em torno do equipamento mudaram muito profundamente, fazendo dele uma das tecnologias que mais mudou o comportamento humano, como estar sempre acessível e actualizado, numa mistura cada vez maior entre público e privado (o telefone, ao tornar-me sempre acessível, estabelece um continuum entre a actividade profissional e o contacto profissional mesmo nas horas de descanso ou lazer).[continua]
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