SOBRE A PRODUÇÃO DE UMA TELENOVELA
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SOBRE A PRODUÇÃO DE UMA TELENOVELA


Há um livro coordenado por Alexandre Hachmeister, Queridas feras, que conta a história da telenovela com o mesmo nome que passou no canal comercial TVI, entre Novembro de 2003 e Outubro do ano seguinte, e que me serve para a crónica de hoje. Da sua leitura, retiro quatro assuntos: argumento, espaços geográficos da história, realização e picos de acção da novela.

O primeiro assunto é o argumento – e a maneira como ele se desenrola até chegar à representação que vemos no ecrã do televisor. A novela Queridas feras começara a ser gravada no final de 24 de Setembro de 2003, tendo-se prolongado até Julho de 2004. Mediaram dois meses entre o começo das gravações e a emissão, mais precisamente a 30 de Novembro de 2003.

O primeiro nome seria Um lugar ao sol. Mas, como as mulheres apareciam como as grandes feras da história, o título definitivo fixou essa característica. A Casa da Criação, empresa responsável pelo argumento e diálogos da novela, fez reuniões frequentes com responsáveis da TVI (e da NBP), para aferir os resultados. Assim, conclui-se, a novela é um trabalho colectivo, a nível de texto e da direcção artística, e que segue estudos de mercado feitos pelo cliente.

Um objectivo inicial reside na definição de público-alvo. Dada a especificidade da TVI, canal popular, procura-se que a novela alcance a família (mas englobando variáveis de heterogeneidade a nível social e etário). Depois, atende-se à estrutura da escrita, com a ideia de núcleos e fases da história. No caso de Queridas feras, a história centrava-se em torno de duas famílias rivais, os Guerra e os Gama, mais duas ou três famílias, um grupo de amigos que vem de fora e personagens isoladas como Mónica. Dos temas, os guionistas destacariam “pais separados” e parque temático.

O plano de acção inclui uma sinopse de cada cena, trabalho distribuído pelos cinco guionistas. Um guião pronto tem 50 páginas, de 25 a 30 cenas. Há uma pessoa a rever cada episódio na Casa da Criação, que coordena a equipa de guionistas. Quando a novela começou a ser escrita, a história tinha 120 episódios, mas subiu para 220, a meio do processo. Por vezes, a equipa de produção sugere temas e pede para desenvolver personagens secundárias, no sentido de criar a multi-história e ultrapassar o triângulo dos protagonistas.

Um segundo assunto é o dos espaços geográficos de filmagens exteriores. Dado a história passar-se no Alentejo, a câmara municipal de Évora manifestou imediato interesse em colaborar, chegando à forma de protocolo com a NBP. Ideias: divulgar o património arquitectónico de Évora, o rejuvenescimento do Alentejo e a qualidade de vida no interior do país. Assim, em termos de história, a arquitecta Mónica (desempenhada por Fernanda Serrano) tinha um apartamento em Évora, o jovem Alex (desempenhado por José Fidalgo) fora passar férias numa barragem alentejana e procurou trabalho no parque temático Safari Park (em Santiago do Cacém). A novela começara com um conde (de Monte Belo), arruinado, e com um grande rival, Afonso Guerra, um novo-rico regressado da Austrália, e que residia na praça do Giraldo, o coração da cidade de Évora.

Quanto ao Badioca Safari Park, juntou-se a ficção e a realidade. Os visitantes que se deslocam no parque temático fazem-no por três razões: ver aves e animais da quinta e fazer o safari propriamente dito. Os animais incluem zebras, antílopes, búfalos de água, tigres de Bengala (estes em cativeiro) e girafas (um dos exemplares dá pelo nome do parque, Badoca).

Pela complexidade e duração da novela, a sua realização recai em três profissionais. O principal realizador, Manuel Amaro da Costa, via-se como maestro numa orquestra, dada a relação estabelecida entre os vários sectores, e tinha Patrícia Sequeira e Telma Meira como co-realizadoras. Aqui, há uma repartição de equipas que filmam exteriores e interiores. Os cenários, construídos por Raul Neves, são um outro elemento a destacar, pois a ligação entre exterior e interior de um cenário tem de ser realista. Um ensaio precede cada cena gravada, em que três câmaras se situam na parede que falta na sala.

Um quarto tema que destaco é aquilo a que se chama picos de acção. De cinco em cinco episódios, há uma história que acaba – precisando de um pico de acção para fazer esse corte e transição. De Queridas feras destacam-se duas cenas. Um aconteceu logo no seu começo: um casamento realizado em adega típica de Colares. Na boda, Xico Zé, que casara com Lili, vês esta com Afonso Guerra. Propõe o noivo um brinde à sua mulher e ao seu amante. Outro pico de acção foi o corte de cabelo de Fernanda Serrano, cuja personagem tinha o cabelo a cair, por tratamento de cancro da mama. Curiosamente, na altura, Fernanda Serrano era a cara da publicidade de um banco comercial, pelo que houve necessidade de gerir a nova imagem de mulher com cabeça rapada.

Leitura: Hachmeister, Alexandre (coord.) (2004) O livro Queridas feras. Lisboa: NBP – Produção Audiovisual e Element – Produção Audiovisual

Texto da crónica que passará hoje por volta das 10:00, na Antena Miróbriga Rádio ou 102,7 MHz (região de Santiago de Cacém)



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