PAULA REGO
Coisas e Coisas

PAULA REGO



Não sou propriamente aquilo a que se chama um fã (fiel) de Paula Rego, mas vale a pena escrever sobre a sua exposição actual em Madrid.

Há, na pintura inicial da artista (1953 em diante), uma figuração que lembra os murais mexicanos e as formas grotescas mas cheias de colorido neorealista (se posso usar essa designação). O pai de Paula Rego patrocinou uma exposição da jovem nascida em 1935 quando ela atingia 21 anos de idade. Eram dois quadros que representavam uma festa popular (Night) e homens no trabalho (Day). Homens, mulheres, pares, com alguma confiança no futuro a ler-se na expressão desses rostos. Mas data igualmente de 1954 um quadro intitulado Life painting, onde uma mulher está representada na sua nudeza e fealdade, talvez pelo envelhecimento do corpo e muitas vicissitudes ao longo da vida. Reside aqui, neste quadro, a forma de muitas outras obras da pintora já madura em idade, conhecimentos e experiências estéticas.


No dobrar da década de 1950, é nítida a influência de pintores como Jean Dubuffet: algum figuracionismo, crescente abstractização, cenas da vida familiar, cromatismos múltiplos. São anos de felicidade pessoal. Paula Rego casa com Vic Willing, que conhecera na escola inglesa de artes que ambos frequentavam, e nasciam os três filhos de ambos. 1961 marcaria, por outro lado, uma relação com a Fundação Gulbenkian, que lhe deu uma bolsa de estudo durante dois anos.

Apesar de continuar a pintar há um período menos expressivo, que passa entre a década de 1960 e a seguinte. O crescimento dos filhos prende a sua atenção; o marido fica doente com esclerose múltipla. Mas ela regressa com novos temas nos anos de 1980, com uma antropomorfização de espécies animais. Cães, macacos (caso de Monkeys drawing each other, 1981), coelhos, leões, lagartas, borboletas - memórias da sua infância em Portugal, nomeadamente da casa na Ericeira. O convívio destes variados tipos de animais é, num outro sentido, a prova da relação de sentimentos e de atitudes. Alguns acrílicos tomam o dispositivo da banda desenhada por empréstimo, continuando a expressão de sentimentos atrás indentificada. As cores são mínimas, o que conta são as formas e a história.

Em meados da década de 1980, há uma alteração profunda nos temas da pintora. A sua filha Caroline confidencia que Paula Rego andava sempre a queixar-se, perguntando o que haveria de pintar a seguir. Vic, o marido, seria uma fonte de inspiração. Os animais passam a ter a companhia de pessoas, caso de raparigas. Funcionava, de novo, a memória juvenil. São rostos a tenderem para o feio: escuros, de traços grossos, com um laçarote na cabeça. As histórias têm algo de mágico: Girl shaving a dog (1986), Girl lifting up her skirt to a dog (1986), da série Dogs - ampliando a relação entre pessoas e animais até um domínio do íntimo e da experimentação de adolescentes.

Os anos finais dessa década e os anos seguintes mostram a pintura esplendorosa que marca a fama de Paula Rego: mulheres cujo atributo de beleza não é o canónico mas o rude, o disforme e com pele encarquilahda até, em cenas domésticas, com violência, violação, quase esventramento, drama, morte (o tema da capa do catálogo da exposição do museu Rainha Sofia não tem título, datado de 1998-1999). É um universo feminino, onde os problemas são resolvidos como se se vivesse num gineceu, de regras fortes, em que o choro e o silêncio entre pares resolve e purifica. As mulheres aparecem isoladas ou em pequenos grupos, algumas delas olhando directamente para o espectador. Não há homens, seres estranhos neste tempo de pintura de Paula Rego. Por vezes, animais em formato reduzido animam os cantos das telas, sem uma razão contextual mas simbólica.

Curiosamente, há séries de Paula Rego que, sem descurarem um gosto pela secura e ausência pela harmonia, são de um significado impressionante, como a série Dancing Ostriches: as bailarinas são de baixa estatura e com corpos fortes ou quase musculados, ensaiando os passos de dança em sofás ou camas - isto é, sem esforço físico como no bailado clássico - mas acabam como conjuntos definitivamente graciosos. O que quer dizer: a beleza é, no fim de contas, aquilo que quisermos ver ou sentir (ou o contrário).

Outra obra que me despertou a atenção é The dance (1988), onde casais dançam à luz da lua, junto ao mar. Vêem-se igualmente duas mulheres com uma criança e uma mulher sozinha. Há movimento, cor, expressão.

Base: catálogo Paula Rego, texto de John McEwen, editado em inglês pela Phaidon inicialmente em 1992, e que acompanha a exposição actualmente presente no Museu Rainha Sofia, em Madrid.



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