JOÃO CANIJO E A SUA (NOSSA) FANTASIA LUSITANA
Coisas e Coisas

JOÃO CANIJO E A SUA (NOSSA) FANTASIA LUSITANA


O som off do documentário provoca a gargalhada nos espectadores do filme. Não se trata de asserção filosófica nem de ingenuidade, mas sim o reflexo da memória de um tempo em que a ruralidade se pintava com cores de harmonia e sucesso, o glorioso passado chegava para mostrar a nossa grandiosidade, os altos dignatários nacionais recebiam em cerimónia diplomática os embaixadores dos países beligerantes (Inglaterra e Alemanha). Ou da alegria triste como o testemunho de Saint-Exupéry acrescentava: os refugiados da Segunda Guerra que ele viu em Lisboa e Estoril encontravam um país quase totalmente alheio ao que se passava na Europa e envolto na construção de uma grande fantasia, que parecia fazer de Portugal distinto do resto do mundo. Os outros testemunhos (Alfred Döblin, Erika Mann) revelam ainda mais do país que acolheu esses refugiados que procuravam destino do outro lado do Atlântico. Os documentários sucessivos que João Canijo nos mostra na sua Fantasia Lusitana revelam como éramos sessenta ou setenta anos atrás e como há muito paralelismo com a actualidade.

Escreveu Vasco Câmara no Público: "quando se vê Fantasia Lusitana logo se percebe que Canijo fez sua uma proposta exterior: um olhar sobre uma «noite escura» portuguesa. Imagens de arquivo como um espelho: cai a redoma protectora do passado, as imagens estão próximas, o suficiente para interpelarem o presente. Começa por ser anedótico, mas a meio da viagem somos capazes de nos vergar perante o peso. Canijo, esse, diverte-se. Sem a ficção e sem pacto com personagens".

Diz o realizador:
Nas imagens do filme de Canijo, ganham relevo as ruas da baixa de Lisboa cheias de gente, as cantigas populares, a exposição de 1940 com uma linguagem asséptica das realizações monumentais, os discursos de Salazar e as multidões nas manifestações. Mas nada nos é mostrado sobre a industrialização ou as actividades comerciais e de artesãos. Apesar de os documentários da época serem muito ideológicos, conseguimos ler as forças e as fraquezas do regime - voltado para o passado, estranhando os costumes dos estrangeiros em trânsito pela cidade porque havia um fechamento nacional sobre si mesmo, com festas e cantigas que escondiam a pobreza e a ignorância que as estatísticas nos informam. Depois, durante muitos anos, as imagens que se conheciam de Portugal no estrangeiro eram as de viúvas vestidas com preto carregado o resto da vida, ruas sujas e sombrias, homens pouco barbeados, eléctricos circulando por ruas íngremes na Graça e na Mouraria, a torre de Belém.




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