Coisas e Coisas
GRAN TORINO
Clint Eastwood vota no Partido Republicano e é muito reaccionário. Sou mais preciso: ele não gostou do presidente Bill Clinton e não deve gostar de Barack Obama. Mas, apesar de republicano, não se impressionou com Bush Junior; pelo contrário. Basta olhar para as personagens do filme
Gran Torino: a geração do meio, a da idade entre Clinton, Bush Junior e Obama, não presta, a avaliar pelo modo como Walt Kowalski, a personagem interpretada por Eastwood, olha os filhos. Já a geração dos jovens "chinocas" - como Tao - representa o futuro, a renovação da nação, simbolicamente representada pelo longo e belo plano final, quando o jovem asiático viaja no Gran Torino por uma avenida sem fim, ao lado do mar, que pode ainda significar a ligação dos Estados Unidos à China e outros países daquele continente.
Eastwwod é também conservador. Vê-se como ele reage aos forasteiros asiáticos agora vizinhos. E como Walt Kowalski considera negativamente o filho, vendedor de carros japoneses, ele que trabalhou toda a vida na Ford. A perda da produção própria para a importação significa redução de empregos e de independência, a mudança do antigo médico, já reformado, por uma especialista de origem asiática e a crítica aos modos de comportamentos dos seus netos leva-o a uma permanente condenação. Ele já não compreende o mundo.
Mas a personagem Walt Kowalski parece arrastar uma contradição. Ele é de origem polaca, os seus amigos são italianos, irlandeses, sabe-se lá de que mais países! A reacção à vinda de novos imigrantes esconde a sua condição? Sim, de certo modo. A aceitação dos asiáticos no seu bairro significa que ele não pode impedir a mudança, dado que a geração mais antiga de imigrantes se desfez, se alastrou pelo país, e se degradou. O filme mostra como os Estados Unidos são um país de
melting pot, de mistura, mas com muita luta até chegar a um novo equilíbrio. Por isso, ele toma partido dos "chinocas", que compreende melhor que a família dos filhos, e por quem se sacrifica quando tem de enfrentar um bando de hmongs.
A redenção de Walt Kowalski (é assassinado, mas garante a paz à família "protegida") é o reverso da violência dele e da América na guerra da Coreia. O simbolismo surge quando ele dá a medalha ganha em combate ao jovem asiático. E a aceitação da família de Tao lembra os papéis que Eastwood desempenhou noutros filmes, como
Million Dollar Baby, em que faz de conselheiro físico e espiritual de uma rapariga que segue o boxe como actividade de recuperação pessoal. Naquele que terá sido o seu último filme, o velho, reaccionário e conservador Eastwood representa, na conflitualidade e na raiva quase constante, uma mensagem de esperança. A mudança geracional pode trazer boas novidades. Talvez, no fundo, ele se aproxime do ideal democrático de Obama e lamente os anos perdidos de Bush Junior.
Gran Torino é um grande filme que nos faz rir e nos faz chorar e que, sobretudo, nos faz pensar. Ao contrário de
Million Dollar Baby, em que a personagem interpretada por Eastwood assiste à explosão vencedora da
boxeur e à sua queda (uma hemorragia cerebral em combate leva-a ao estado de coma), em
Gran Torino, o jovem asiático é o espectador da queda da personagem desempenhada por Eastwood.
Uma última reflexão, a das cenas iniciais e finais. O filme começa com o funeral da mulher de Kowalski, o filme acaba com o funeral deste. Assiste-se a um rito de passagem, a uma transição de uma geração para outra, mas em que se preservam os valores, os ideais americanos de fortuna e liberdade. No filme, só o velho Kowalski podia fazer esse papel de entrega do testemunho. O filme começa com a igreja e o padre a reflectir sobre vida e morte, o filme acaba com o advogado a ler o testamento - a religião e a lei acompanham esses valores imperecíveis dos países.
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Flags of Our Fathers e
Letters from Iwo Jima.
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