Filosofia, um guia para a felicidade -- Alain de Botton
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Filosofia, um guia para a felicidade -- Alain de Botton


Venho também de assistir uma série de documentários um tanto quanto interessantes sobre algo que gosto de chamar divulgação filosófica, como um paralelo à de certa forma já aclamada divulgação científica.


Elaborado pelo escritor e produtor de televisão inglês Alain de Botton, o documentário Filosofia -- Um guia para a felicidade (no original inglês, Philosophy, a guide to happiness) consiste em um tipo de apresentação e divulgação de idéias dos grandes filósofos ocidentais para um público leigo.


Em cada uma das seis partes, o produtor aborda o pensamento de algum filósofo escolhido a dedo ao focar em determinado aspecto dentro de sua corrente de pensamento. Foram assim escolhidos aspectos que podem influenciar diretamente na mudança de determinadas atitudes cotidianas de cada um. A idéia geral do documentário é simplesmente mostrar como a filosofia pode servir de base para que as pessoas passem a questionar certos valores sociais rigidamente estabelecidos e, assim, serem capazes de suportar melhor as agruras do dia-a-dia -- das quais todos estamos sujeitos. Botton então apresenta parte da história de vida um filósofo diferente em cada episódio, ressaltando a idéia que deseja apresentar. Por vezes, ele também apresenta casos de indivíduos "normais" (ingleses) cuja vida foi ou pode vir a ser afetada diretamente por tais idéias. Os seis episódios tratam de:
  1. Sócrates e a auto-confiança: não seja um maria-vai-com-as-outras, apresente e acredite em suas idéias! (****)
  2. Epicuro e a felicidade: a felicidade é algo que vai muito longe do dinheiro. (**)
  3. Seneca e a raiva: enraivecer-se não adianta nada, é melhor encarar a vida com calma e fazer o que for preciso para melhorá-la. (***)
  4. Montaigne e a auto-estima: não devemos acreditar nos valores dos outros e sim criarmos os nossos próprios. (****)
  5. Schopenhauer e o amor: o amor vem do instinto reprodutivo de nossa espécie. (**)
  6. Nietszche e o sofrimento: devemos utilizar nossas frustrações como desafios a serem superados. Não afoguemos as mágoas, utilizemos a força da infelicidade para nos jogar à frente. (***)
    * As estrelas se referem à minha apreciação pessoal sobre cada um dos episódios.

No primeiro documentário da série, Botton remonta aos primórdios da filosofia ocidental com o grego Sócrates e reforça o argumento socrático de que as pessoas devem confiar naquilo que pensam ao invés de seguirem os pensamentos alheios como que num rebanho. A meu ver, este é um dos mais inspiradores documentários da série, uma vez que vai contra a cultura de massas que é talvez o grande problema da sociedade contemporânea [1]. Não obstante, ouso discordar aqui tanto de Sócrates quanto de Botton quando eles comparam a cultura de massas com a democracia, fazendo assim uma crítica ao movimento democrático por pensarem-no massificado. Sou um defensor ardoroso da democracia e acho que ela é o melhor sistema de governo possível [2], ainda que não seja perfeito. Sei que é possível ter uma democracia funcionante sem que ela herde os problemas existentes nas culturas de massas [3].

Alain de Botton é historiador pela universidade de Cambrige (UK) e mestre em filosofia, além de escritor e produtor de programas de TV. A crítica discreta que faz ao diretor de um dos Colleges de Cambridge é simplesmente admirável: não é um título numa universidade que faz de alguém uma pessoa virtuosa (episódio 4 sobre Montaigne).


Embora alguns dos documentários tenham um formato excessivamente popular e cheirem à cultura do entretenimento -- não aprofundando ou enfatizando suficientemente nas idéias filosóficos e em suas implicações sociais --, há também episódios bastante iluminadores e muito bem desenvolvidos. Sem dúvida, o exercício de Botton é bastante válido e a série vale a pena ser vista por todos. Principalmente porque esta é a primeira vez que me deparo com uma tentativa séria de divulgação filosófica para fazer acordar as massas e isto é, sem dúvida, algo que precisa ser urgentemente incentivado pelos governos, em todo o mundo.

E, assim, por introduzir e despertar o gosto do público (você e eu também incluídos) pela filosofia e pelos filósofos narrados, esta série de documentários divertidos, leves e agradáveis vale a pena ser assistida. Um excelente trabalho de divulgação filosófica; sugiro aos professores de todo o Brasil para apresentarem-no como recurso didático para estimular alunos do ensino fundamental e médio. Boa diversão (filosófica)!

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NOTAS:


[1] Percebe-se ainda que a cultura de massas já era um problema até na Atenas pré Jesus Cristo e desde aquela época já existiam os que se levantam contra ela.
[2] Aqui falo da democracia como melhor forma de governo num sentido realístico e pragmático. O melhor governo possível seria mesmo nenhum governo. Mas esta, infelizmente, não me parece ser uma alternativa viável. Consigo vislumbrar o anarquismo como forma de governo apenas numa sociedade com indivíduos responsáveis socialmente e altamente educados. Desta forma, estamos ainda muito longe de chegarmos a este ponto.
[3] Vide governos modernos na Europa.

PS: Versões em inglês existem no YouTube.



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