Entrevista com o Doutor
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Entrevista com o Doutor


Parecia que a redação pegaria fogo naquela tarde. Algo sensacional estava para acontecer e não era aumento de salário. A revista sobre medicina e saúde, que tinha uma equipe formada basicamente por mulheres, esperava pela chegada do Doutor, um homem respeitadíssimo em sua área de atuação, charmoso, elegante (médico de terno e gravata é tudo de bom, diziam elas), solteiro e, principalmente, heterossexual. Ele tinha uma entrevista com uma repórter, a Felizarda, para a matéria de capa da edição seguinte. O Doutor, consultor da revista, era simpático e fazia questão de ir à redação para a entrevista.

A Felizarda, também solteira, colocou a melhor roupa (de decote nada sutil), o melhor perfume e rascunhou as perguntas mais inteligentes sobre o tema da entrevista (ah, quantas horas de pesquisa!). A Casada, editora da revista, era também só luxo e despudor naquela tarde, afinal era outra apaixonada pelo Doutor, homem bem mais atraente do que aquilo que ela tinha em casa. A única pessoa que não estava feliz era a Invejosa, também repórter, que fez de tudo para ficar com a pauta, mas não conseguiu. Quando a Felizarda disse que o Doutor parecia o José Mayer, a Invejosa retrucou na hora, justificando que o José Mayer estava um velho decadente. A Felizarda explicou então que não se referia ao José Mayer de hoje, mas ao de uma novela antiga, quando ele fazia o papel do médico gostosão.

As mulheres daquela redação, quase todas solteiras ou separadas, estavam encalhadas e suspiravam pelo Doutor. Mereciam a sorte grande! Não entendiam por que a vida era tão ingrata com elas. Eram jornalistas maduras, inteligentes, descoladas, sem preconceitos na cama, evoluídas espiritualmente (todas faziam meditação) e preocupadas com uma alimentação natureba e com a beleza. O único homem por perto era o Estagiário que respondia aos e-mails dos leitores, bonitinho até, com certeza tinha um pau bem duro (o que é muito importante, é claro), mas usava o dia inteiro aquele maldito boné. Jornalistas maduras, inteligentes e descoladas não trepam com garotos de boné, acreditavam todas.

A Felizarda costumava fazer as entrevistas com um bloquinho de anotações (tinha uma mão ágil), mas para a entrevista com o Doutor ressuscitou o velho gravador. Imaginou-se decupando a fita naquela mesma noite, deitada na minúscula banheira de seu apê, com sais de banho franceses e velas ao redor. A voz do Doutor era sedutora, mesmo falando de “procedimentos” e outros jargões médicos. A fita acabaria e ela continuaria na banheira (com os sais, as velas e a sua mão ágil com dedos ainda mais ágeis), ouvindo a voz do Doutor e fantasiando que ele lhe proporia outros procedimentos, nada médicos.

Os delírios da Felizarda foram interrompidos pela entrada triunfal do Doutor na redação, conduzido pela Recepcionista, a jovem gostosinha que representava uma grande ameaça a todas aquelas jornalistas maduras, inteligentes e descoladas. A Recepcionista era, logo, uma vadia! A única pessoa que não se abalou com a chegada do Doutor foi o Estagiário que, com seu boné, não tirou os olhos da tela do computador. A Casada logo se levantou da cadeira para dar as boas-vindas ao Doutor. A Invejosa rangeu os dentes de raiva e a Felizarda abriu um sorriso, com uma única certeza: o Doutor estava mais do que nunca a cara do José Mayer, o da novela antiga, quando ele fazia o papel do médico gostosão.




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