Coisas e Coisas
COORDENADAS DO PENSAMENTO DE ADORNO (I)
O pensamento de Adorno é adverso à ideia de sistema fechado, caso da Teoria Estética, que sofre o desmembramento próprio da fragmentação – tem uma construção paratática (a parataxe ou coordenação é uma construção em que os membros se ordenam numa sequência mas não se conjugam como se se tratasse de um sintagma. Na parataxe cada termo vale por si). A forma de apresentação paratática reforça a forma aporética da obra (aporia é a dificuldade ou mesmo ausência de saída, podendo constituir até uma dificuldade lógica insuperável).
O carácter fragmentário da Teoria Estética, editada postumamente em 1970, dedicada a Samuel Beckett, deve entender-se do seguinte modo: 1) constitui-se por textos muito curtos, 2) é um imenso fragmento. Tal carácter possibilita a leitura em múltiplas entradas (Jimenez, 1977: 13).
Segundo Martin Jay (1984: 15-22), o pensamento adorniano tem as seguintes coordenadas: 1) marxismo – o da tradição heterodoxa do pensamento marxista ocidental (escola de Frankfurt, Instituto de Pesquisas Sociais, 1924), 2) modernismo estético – para além de filósofo e sociólogo, Adorno foi músico e compositor, absorvendo a moderna música atonal de Schoenberg, durante a sua estada em Viena, nos anos 20, 3) conservadorismo cultural – apesar das suas inclinações marxistas e modernistas, Adorno conserva uma distanciação profunda para com a cultura de massa e olha com aversão a razão tecnológica, instrumental. Critica o jazz e os blues. Faz parte do designado declínio dos mandarins (senhores feudais) alemães. O seu pensamento é negativo. Para além disso, Adorno mantém uma apreciação de figuras reaccionárias, o que põe em causa o modernismo que defende, 4) influência do pensamento judaico – embora não tão envolvido no judaísmo como Walter Benjamin, há uma certa influência do seu pensamento. Meio judeu por nascimento, embora identificado com o catolicismo da mãe, no exílio Adorno toma conhecimento profundo da sua herança judaica. Costumara citar: “Escrever poesia depois de Auschwitz é bárbaro”. Como Horkheimer, Adorno não falará na alternativa utópica (cara a Marcuse, cuja última obra se debruça sobre estética), pela referência à proibição judaica de pintar Deus ou o paraíso. Articula, desde o holocausto nazi, os pensamentos antisemita e totalitário, 5) desconstrucionismo (movimento que emerge com os pós-estruturalistas, em 1967. Adorno morre em 1969) – há ligações, talvez fortuitas, entre ele e a amizade que une Walter Benjamin ao círculo de proto-descontrucionismo do colégio de sociologia (Georges Bataille, Pierre Klossowski, Roger Caillois). Em Adorno, a sua antecipação do descontrucionismo vem da apreciação de Nietzsche. Divergindo de outros marxistas – como Lukács, que via em Nietzsche um perigoso e irracional precursor do fascismo – Adorno gostava dele pela crítica à cultura e política de massas e a crítica à dialéctica das luzes (Aufklärung), 6) experiência pessoal e política, com a ascensão do nazismo. Nele há influências pessimistas, de Schopenhauer, Nietzshe e Kierkgaard.
Elementos constantes da obra de Adorno são os seguintes: 1) denúncia e recuperação, 2) situação aporética da sociedade (que inclui a arte e a cultura), 3) teoria do mundo administrado, 4) indústria cultural (Kulturindustrie). Lêem-se as obras de Adorno na perspectiva da denúncia (Jimenez, 1977: 31). A produção artística é manipulada, segundo Adorno, que se insurge contra os meios ideológicos que permitem e “justificam” essa manipulação (recuperação). A arte está num impasse - é a situação aporética. Após se libertar das funções cultuais, religiosas e morais, a arte entra nos circuitos económicos. E, para além de entrar nos circuitos das mercadorias (indústria cultural), a arte serve também de veículo ideológico à dominação do mundo administrado, sociedade tecnocrática onde tudo se mede, etiqueta, vende e consome.
[continua]
loading...
-
Coordenadas Do Pensamento De Adorno (ii)
[continuação da mensagem de 7 de Outubro] Na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer desenvolvem uma análise das ligações entre anti-semitismo, paranóia das massas, ilusões projectivas e homossexualidade, que ajudam a explicar a “mentalidade...
-
IndÚstria Cultural Em Adorno
Adorno e Horkheimer usaram o conceito indústria cultural pela primeira vez em 1947. Quarenta anos depois, Adorno revisitava o conceito ("A indústria cultural", 1968, impresso no livro coordenado por Gabriel Cohn Comunicação e indústria cultural,...
-
Notas Para Uma Aula De Teoria Da ComunicaÇÃo (10)
Na Dialéctica do Esclarecimento (1985), Adorno ("A indústria cultural") escreve que, na cultura contemporânea, tudo tem um ar de semelhança. Cinema, rádio e revistas constituem um sistema: "Cada sector é coerente em si mesmo e todos o são no conjunto"....
-
INDÚSTRIAS CULTURAIS - I Para Theodor W. Adorno e Max Horkheimer (1978), a indústria cultural surge quando a cultura se mercantilizou, através do desenvolvimento tecnológico e da capacidade de reprodução. Os dois autores substituíram a expressão...
-
INDÚSTRIAS CULTURAIS EM THEODOR ADORNO - O SEU PENSAMENTO (II)
[Continuação do texto sobre o pensamento de Adorno iniciado no post de 9 de Julho]
Elementos constantes da obra de Adorno
1) Denúncia e recuperação
2) Situação aporética...
Coisas e Coisas