Coisas e Coisas
Bola na trave não altera o placar
Um olho no campo, o outro na tela do notebook. Era assim que eu cobria um jogo de futebol da tribuna de imprensa do estádio, principalmente nas noites de quarta-feira. O jogo acabava quase à meia-noite e o deadline era apertadíssimo. O juiz apitava o fim e eu tinha uns cinco minutos para enviar o texto para a redação. E, se por um atraso meu a matéria do jogo ficasse de fora da edição, no dia seguinte, meu editor e a torcida dos dois times me xingariam muito, mas muito mesmo. Não dava para bobear. O jeito, então, era assistir à partida e, ao mesmo tempo, escrever o seu relato.
Numa dessas noites de quarta-feira, estava eu num estádio, passando um frio do caralho – a tribuna não era uma sala fechada –, apertando os olhos para driblar minha miopia e enxergar algo naquele campo mal-iluminado e tendo de suportar um joguinho horrível. Vida de repórter esportivo não é fácil. No intervalo do jogo, já havia escrito uns 80% do texto. Vocês já repararam que nos relatos de jogos o primeiro tempo tem sempre mais espaço? Mesmo que todos os gols tenham acontecido no segundo.
A estratégia de deixar o texto quase pronto ainda no intervalo tem lá seus riscos também. O lead naquela noite fria dizia que o empate sem gols resumia bem a mediocridade da partida, sem qualquer emoção. A matéria estava fechada aos 35 minutos do segundo tempo e eu torcia para que nenhum dos times marcasse um gol no tempo que restava. Teria de reconstruir todo o texto.
Acho que, na história do futebol mundial, nunca alguém torceu tanto por um zero a zero como eu naquela noite. A tensão era tão grande que eu até esqueci o frio. Para piorar, o filho-da-puta do juiz ainda decidiu dar uns cinco minutos de acréscimo. Aos 49, a bola foi cruzada na área, o centroavante cabeceou para o chão, com força, no canto do goleiro. Tremi. A bola bateu na trave e saiu. Na tribuna, eu gritei, aliviado, como se comemorasse um gol. Quem disse que repórter esportivo não pode torcer?
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