As canções de liberdade, elogio a Bob Marley
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As canções de liberdade, elogio a Bob Marley



Robert Nesta Marley nasceu na Jamaica, em fevereiro de 1945. Ele foi um dos maiores músicos do século XX, tendo sido o principal divulgador e o mais influente músico do agora já afamado estilo conhecido como o reggae. Este ritmo parece ser uma certa releitura americanizada de ritmos africanos e apresenta grande inovação musical no que se refere à cadência, ritmo e melodia. As investidas de Bob Marley no terreno da música renderam a ele uma grande legião de fãs, muitos adeptos do uso da Cannabis sativa enquanto meio de iluminação, deleite e criatividade. Bob inventou uma batida característica associada a uma progressão ritmica altamente criativa e inovativa na percussão e também nas sequências do baixo de Aston Barrett, dando ao reggae sua marcante característica dançante.


Bob Marley foi um dos principais músicos do século XX, tendo sido o principal divulgador, cantor, compositor e criador do gênero Reggae. Até hoje suas canções inspiram jovens e adultos em todas as partes do mundo. Suas canções espalham a paz, a positividade, a liberdade, a igualdade entre as raças e a busca por iluminação, tendo como pano de fundo vários tipos de repressões sociais sofridas pelos negros.


Bob Marley era negro e cantou, em muitas de suas músicas um orgulho negro que ainda tem resquícios de épocas passadas onde imperava um extremo racismo e até a escravidão. Serão épocas passadas mesmo? Particularmente em sua canção "Redemption song" ou "Canção da redenção", Marley pede que os fãs contem consigo uma música de liberdade já que tudo que ele tem escutado até então consiste em músicas de redenção, onde os negros lamentam suas condições ao invés de extravasarem suas ânsias através de canções falando do sentimento de liberdade. O trecho da música mais característico dessa questão é o seguinte: "Won't you help to sing / The songs of freedom / 'cause all I ever heard / Redemption song" (Você não vai ajudar a cantar? / As canções da liberdade / Porque tudo que sempre escutei / [Foram] canções de redenção). Outra de suas grandes letras consiste na reprodução do início de uma carta do imperador Haile Selassie, com relação à igualdade de raças e que foi utilizada na abertura da música entitulada "War". Lançada em 1976 no album "Rastaman vibrations", Marley brilhantemente recupera seu mentor ao dizer que "That until the philosophy which holds one race superior and another inferior is finally and permanently discredited and abandoned / Everywhere is war" (em tradução livre: "Até que a filosofia que assegura que uma raça é superior e outra inferior esteja final e permanentemente desacreditada e abandonada, em todo lugar haverá guerra").

Como fã e interessado na carreira do compositor jamaicano, busquei algumas biografias suas para conhecer melhor de sua tragetória e encontrei na verdade a biografia de sua principal companheira ao longo da vida, Rita Marley. A obra entitulada "'No woman no cry', my life with Bob Marley" consiste em uma prosa simples, quase uma conversa com a autora relatando sua vida. Embora ele certamente apresenta uma visão ligeiramente enviesada da vida do maior compositor de reggae da história, acredito que o livro é interessante e revelador, principalmente nas fases iniciais de vida do cantor, quando ele ainda morava na Jamaica e deslocava entre cidades com os Wailers tentando o sucesso.


Capa da autobiografia escrita pela esposa de Bob Marley, Rita Marley. Neste livro ela revela detalhes principalmente do início de sua carreira na Jamaica como cantor de reggae, junto aos amigos Bonny Wailer e Peter Tosh entre o fim dos anos 60 e início dos anos 70.


Particularmente notória foi a gravação da música de Marley "I shot the sheriff", por Eric Clapton, em 1974. Ambos os cantores buscavam ainda seu reconhecimento e Clapton com sagacidade percebeu a brilhante música do jamaicano que fez bombar a carreira de ambos. A versão da canção que saiu no album "461 Ocean Boulevard" do guitarrista inglês alcançou o número 1 na lista do Billboard Hot 100 -- e curiosamente é até hoje a música de Clapton que teve mais sucesso nos Estados Unidos. Nesta canção, Bob fala sobre um negro que é acusado de matar um deputado. Ao que parece, o xerife da cidade, que sempre teve bastante preconceito com este indivíduo, ("Sheriff John Brown always hated me / for what, I don't know / Every time I plant a seed / He said kill it before it grows"), um negro livre, e vai buscá-lo fora da cidade supondo fortemente que ele fosse o responsável por tal assassinato. Ao longo da música dá a entender que o xerife já vai atrás do "suspeito" daquele jeito que muitos xerifes costumam mesmo fazer: atira-se antes e pergunta-se depois. Então o personagem acaba assassinando o xerife e agora torna-se realmente um bandido, mas ele diz que matou o xerife por legítima defesa e que nada tem a ver com a morte do deputado. A música mostra a problemática dos negros "livres", que infelizmente continuam sendo os primeiros suspeitos de qualquer atrocidade que aconteça na sociedade; e os policiais são o alter-ego do xerife John Brown ao incriminá-los e tentar enquadrá-los por crimes que eles não cometeram. Até hoje parece haver verdade neste lamento em forma de reggae que Marley canta de forma dramática e absolutamente bela.


O album "461 Ocean Boulevar" de Eric Clapton, lançado em 1974, tinha como principal hit uma versão da canção "I shot the sheriff" do jamaicano Bob Marley. A gravação desta canção e seu estouro como número um nas paradas de sucesso norte-americanas projetaram final e solidamente ambos os guitarristas enquanto gênios da música pop mundial.

Particularmente interessante também é o fato de Bob Marley participar da religião Rastafari. Esta crença monoteística foi mesmo criada na Jamaica por volta de 1930, derivado de algumas idéias cristãs e que tinham no imperador da Etiópia a figura de um deus encarnado. Mas o rastafari nunca foi uma religião institucionalizada e é mais frequentemente tida como um movimento ou uma ideologia [2]. Haile Selassie I, que foi o imperador da Etiópia entre as décadas de 40 e 70 é visto como uma segunda encarnação de Cristo. De forma bastante avessa ao cristianismo, no rastafarianismo a utilização da maconha é vista como forma de alcançar a iluminação e afastar-se da cultura ocidental deturpada, chamada de Babylon (Babilônia), numa referência a uma cultura má onde há a ausência das principais virtudes físicas ou espirituais. E em uma maravilhosa revolta pacífica, nosso jamaicano produz a canção "Get up Stand up", onde faz um apelo aos indivíduos que acordem e levantem suas vozes em busca de seus direitos / Stand up for your rights. Esta canção é também uma crítica aberta ao cristianismo, onde Marley canta para que o pastor não o diga que o paraíso está abaixo da terra ("Preacherman don't tell me / heaven is under the earth") e termina sugerindo que a igreja pode enganar o povo por algum tempo, mas que eles jamais serão capazes de enganar a todo o povo durante todo o tempo do mundo ("You can fool some people some time / but you can't fool all the people all the time"). E agora que você vê a luz de Marley, lute pelos seus direitos!


Bob Marley e os seguidores do movimento Rastafari acreditam no deus Jah e usam a maconha como forma de atingir a iluminação. Não tendo jamais sido levado a sério com relação à utilização da canabis para fins recreativos e religiosos, Bob sem dúvida popularizou o uso recreativo e contemplativo da droga, que ainda hoje é proibida em grande parte do mundo.

Em 1978, Marley foi ainda condecorado pela ONU com uma medalha da paz (UN Peace Medal), o que pode significar que mesmo o ocidente institucionalizado reconheceu sua contribuição para a libertação do seu povo. Vale lembrar aqui outra parte da Canção de Redenção, onde ele canta orgulhosamente a seu povo "Emancipate yourselves from mental slavery / None but ourselves can free our mind", em tradução livre: "Emancipem-se (a si mesmos) da escravidão mental / Apenas vocês mesmos podem libertar sua própria mente". Acrescento que a libertação mental é sim um primeiro passo para a libertação de um povo ou raça, mas é fácil perceber ainda hoje uma inércia histórica oriunda dos tempos da escravidão que faz dos negros um povo menos respeitado e mais pobre, marcado amargamente pela insígnia do preconceito racial. Não apenas a emancipação do próprio povo deve fornecer subsídios para sua libertação e para a transformação social, também o governo deve ser responsável por financiar a busca pela diminuição das desigualdades, e não apenas das raciais, como também das sociais.

Marley também esteve no Brasil, em março de 1980, quando jogou bola com Chico Buarque, Toquinho e Alceu Valença, dentre outros, no Rio de Janeiro. Ele viera participar de uma festa inaugurando as atividades do selo alemão Ariola no país. Os wailers tocavam à época com o sub-selo Island, da Ariola. Bob Marley disse apreciar o futebol brasileiro assim como seus compatriotas jamaicanos e marcou ao menos um gol na partida que terminou em 3 x 0 e onde o senhor Francisco Buarque de Hollanda também deixou seu recado balançando o filó.

Rio de Janeiro, 19 de março 1980. Em pé: Junior Marvin, Toquinho e um penetra. Agachados: Jacob Miller, Chico Buarque, Paulo César Caju e Bob Marley.


Robert Nesta Marley morreu em Miami aos 36 anos, no dia 11 de maio de 1981, curiosamente devido a uma infecção não tratada no dedão do pé resultado de uma dividida ocorrida durante a partida de futebol. As histórias são diversas, mas parece que seu dedo do pé não melhorava e quando ele foi ao médico, descobriu que se tratava de um melanoma maligno. Tentou se tratar com homeopatia, mas obviamente não se curou e o câncer se espalhou, sendo que em pouco tempo seu corpo não mais aguentou.

Desde sua morte, Marley continua sendo um símbolo de paz, força e alegria. Para muitos ele é o maior ídolo do terceiro mundo de todos os tempos. No Brasil, nosso ex-ministro da cultura Gilberto Gil gravou um disco inteiro em homenagem a várias canções de Bob Marley. Kaya N'gan Daya é sem dúvida uma grande obra a transportar todo o explendor de marleiriano em uma forma brasileira, ainda que respeitando em grande medida os arranjos originais do ídolo jamaicano.

O CD e DVD do nosso ex-ministro Gilberto Gil. Kaya N'gan Daya consiste em belíssimas versões das músicas originais de Marley para o português, ainda que Gil tenha amenizado um pouco no conteúdo político das letras originais.

Finalmente, vale comentar que Marley pregava veementemente a utilização de canabis como forma de alcançar a iluminação. Ainda hoje é estranho perceber como seus apelos nesse sentido foram totalmente ignorados pela sociedade da Babilônia, à qual se refere sempre e à qual tenta influenciar com suas canções de liberdade. De forma estranha e evidenciando um enorme conservadorismo da sociedade ocidental, esta planta de enormes potencialidades comerciais enquanto fibra e de uso médico comprovado para uma enorme quantidade de síndromes (analgésico, anti-inflamatório, anti-ansiolítico e modulador do apetite), ainda encontra resistência em ser utilizada -- mesmo para a ação médica -- devido justamente aos efeitos psicoativos aos quais os bem-aventurados rastafari tinham como principal motivação de sua utilização. Deveríamos talvez escutar melhor estes que nos enviaram tanta vibração positiva, yeah, e que continuam nos maravilhando enquanto damos nossos pequenos saltos em êxtase. Salve Jah!

Declaração: este sítio não tem parceiros comerciais.

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Para saber mais, clique:
* Bob Marley na wikipedia
* Rastafari movement
* Cannabis sativa
* Canção War
* Canção I shot the sheriff
* Este sítio recomenda ainda o download de alguns dos principais concertos de Bob Marley e este blogueiro gosta particularmente dos shows realizados em Dortmund e Santa Barbara.
* Aqui mesmo neste blogue, há algum tempo atrás eu já havia publicado um breve relato sobre o livro de Rita Marley, além de uma apreciação da música Get Up Stand Up, quando pela primeira vez contemplei racionalmente sua letra, em toda sua beleza e pujança.
* Este blogue recomenda também fortemente o CD/DVD Kaya N'Gan Daya do nosso querido Gilberto Gil. Gil é por muitos considerado o Bob Marley brasileiro e seu disco de reprises de canções de Marley em versões aportuguesadas é simplesmente maravilhoso.

* Um vídeo de Bob Marley fazendo seu gol na visita ao Brasil pode ser visto aqui.



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